Pedro Malta, de 43 anos, é treinador de futebol e integra a equipa técnica, como adjunto e analista, de Pedro Caixinha. O albicastrense está, atualmente, no Red Bull Bragantino, no Brasil, mas conta com passagens por vários países e realidades desportivas, como o México, Qatar, Escócia, Arábia Saudita e Argentina.

Pedro Malta é mestre em Ciências do Desporto e é o convidado deste mês da nova rúbrica “No Interior do Jogo”.

Nesta segunda parte da conversa com a AFCB, o treinador falou da realidade atual, no Red Bull Bragantino, como lida com o facto de estar longe da família e de um possível regresso a Portugal.

AFCB: Por todos os países que passaste, sempre abraçaste os desafios de braços abertos? Ou houve algum convite que te fez pensar duas vezes?

PM: Penso que desde o início. O sair de Portugal e ir para o México, um país que não era assim tão conhecido… Esse primeiro passo é sempre com receio. Mas isso também está relacionado com a vontade de cada um. Eu sabia que era aquilo que queria e, numa semana, tive que resolver a minha vida em Portugal e mudar-me para o México. Foi, literalmente, assim. O convite surgiu-me numa semana e, na seguinte, tinha de estar no México, com a minha vida resolvida. É engraçado que o convite surge e a resposta foi logo sim, independentemente de saber quanto ia ganhar ou o que ia fazer. Só depois de desligar o telemóvel é que comecei a pensar em tudo o resto.

E acaba por ser um pouco assim. Dali saltamos para o Qatar, outro país desconhecido, mas era isso que queríamos, um novo desafio. Depois o Rangers, na Escócia, uma realidade mais conhecida. O regressar ao México também é uma realidade que já conhecíamos. A oportunidade na Arábia Saudita, pela experiência no Qatar, já era mais ou menos conhecida. A Argentina era uma realidade desconhecida para nós e o futebol brasileiro, pela ligação dos países, não era assim tão estranha. O que quero dizer é que, quando vais para um novo desafio, há sempre essa incerteza e o mais importante é o passo que é preciso dar em frente e abraçar o projeto com a mesma vontade em cada momento.

AFCB: Qual o fator determinante para aceitares um novo desafio?

PM: É a paixão por aquilo que faço, tal como foi o meu ímpeto inicial. Estava em Castelo Branco tranquilo, tinha um bom ordenado, trabalhava na escola, fazia mais quatro ou cinco funções que me davam um ordenado estável, estava a pensar em casar…. Podia, simplesmente, dizer que não, que estava bem, mas a paixão levou-me a dizer que sim, no ímpeto de nem pensar nas consequências. É um pouco isso. Se a pessoa realmente quiser viver essa paixão, a oportunidade que surge tem de ser agarrada.

AFCB: É fácil conciliar a vida familiar com uma atividade tão instável e volátil?

PM: Esse é o grande calcanhar de aquiles, mas acaba por ser uma decisão própria. Podia optar por ter aqui a minha família, mas também prefiro que tenham estabilidade na vida diária, principalmente com filhos, e não os obrigar a estar sempre a mudar de lugar. Prefiro sacrificar-me a mim e saber que eles estão bem e sentir-me tranquilo e saber que o sacrifício que estamos todos a fazer agora é para o bem geral.

Não há profissões e vidas perfeitas, todas têm os seus espinhos, e a de treinador de futebol é o de viver “sozinho”, longe de quem mais gostamos. Passamos muitos Natais com a segunda família, mas que não é a nossa família direta, as festividades, não conseguir fazer aqueles programas de família de sábado ou domingo ou chegar a casa e não ter os filhos a correr para nós…. É isso que perdemos, mas temos de ver sempre o lado positivo e haverá vidas piores e foi a vida que, em conjunto, decidimos e aceitamo-la assim.

AFCB: Atualmente estás no Brasil, no Red Bull Bragantino. Como é a realidade competitiva no Brasil? Há muitas diferenças para Portugal?

PM: Em primeiro lugar, começa logo nos quadros competitivos, que são muito desgastantes. Jogamos de três em três dias, com competições internacionais e nacionais, mas as nacionais parecem internacionais, porque fazemos viagens como se estivéssemos a viajar na Europa. Temos também a questão de jogar com diferenças de humidade e temperatura. Os quadros competitivos é, sem dúvida, uma das diferenças.

O estádio está sempre cheio, os adeptos têm pouca tolerância para o insucesso, querem resultados imediatos, a pressão é constante. A realidade do nosso Clube não é tanto assim. Trabalhamos ao nível de empresa e existem objetivos para serem atingidos, em que priorizam o tempo e o trabalho que se desenvolve. É um Clube recente, que não se pode comparar, em termos de torcida e de número, com outras realidades do futebol brasileiro. Somos um pequeno peixinho dentro dos outros tubarões e a nossa realidade é muito interessante. Além de trabalharmos por objetivos, também temos uma mentalidade muito própria que estou a adorar – a representação fiel daquilo que é a marca.

O Red Bull é uma bebida energética e, como tal, temos de ser uma equipa enérgica, que não tem medo do risco, que quer dar espetáculo. É um Clube que tem uma ideia muito própria e transmite isso em todos os projetos que abraça. A nossa filosofia é mesmo essa: um futebol de ataque, de risco constante, de espetáculo e de juventude. Tudo isto é a filosofia do nosso Clube e de todas as realidades em que já trabalhámos, este foi o Clube mais efetivo e claro no caminho que quer seguir e na mentalidade. E, assim, o nosso trabalho como treinadores é muito mais fácil, porque temos um caminho a cumprir. Enquanto estivermos a cumprir este caminho, estamos dentro da marca. Quando nos começarmos a desviar dessa ideia, então começamos a ficar fora da marca.

A filosofia do Pedro Caixinha encaixa perfeitamente na realidade deste Clube. Há um match que tem dado um bom resultado, uma vez que, na edição anterior, fomos a equipa surpresa do Brasileirão.

AFCB: Como é o dia-a-dia de um elemento de uma equipa técnica profissional?

PM: Nós trabalhamos por tarefas. Cada um tem as suas responsabilidades e, à medida que forem sendo feitas, podes terminar o teu dia de trabalho mais cedo ou mais tarde. Como uma das minhas funções é a análise do jogo, que é algo em que se despende muitas horas e é cíclico - quando terminas um, já tens de começar outro ou até dois em simultâneo -, é um trabalho constante. Não sei o número de horas que trabalhamos por dia, mas é custoso, é preciso gostar. Como disse, saímos há uma semana de casa e andamos nestas andanças. E isto acaba por ser trabalho. Há uns tempos, um diretor disse-me que é usual afirmar que um jogador de futebol trabalha pouco, mas o tempo que está concentrado, está em trabalho, se não estaria a fazer outra coisa. Se contabilizarmos só o número de horas que uma pessoa fica fora da família, estamos a falar de dias. São muitas horas e depois há o trabalho individual que cada um tem. No meu caso concreto, posso dizer que é um trabalho contínuo e é preciso gostar. Mas faço-o com gosto e paixão.

AFCB: Em relação ao futuro, quais são os planos? Já pensaste ou tiveste convites para iniciar uma carreira como treinador principal? O regresso a Portugal está nos planos?

PM: Claro que já surgiram algumas aproximações nesse sentido, mas há uma coisa que faz parte dos meus princípios – ser grato a quem nos abre as portas. O Pedro Caixinha foi quem me abriu as portas a nível profissional e deu-me a oportunidade de estar a este nível. Enquanto estiver com ele e precisar dos meus serviços, não vou abandonar o projeto. Não me sinto bem comigo mesmo com isso. Sinto-me bem, sinto-me realizado e valorizado naquilo que faço e sinto-me útil. No dia em que não me sentir útil ou por alguma circunstância da vida, até porque ele é mais velho que eu, aí posso pensar em seguir uma carreira a solo. E com isto, não é estar na zona de conforto, até porque já desempenhei várias funções. Com o Pedro Caixinha, temos de estar sempre na red line, uma vez que exige mais de nós que aos próprios jogadores. Neste momento não penso em ser treinador principal.

O regresso a Portugal está sempre na mente. Nunca tive a oportunidade de treinar, a nível profissional, em Portugal. Gostava de ter essa experiência, mas tudo depende dos projetos que possam aparecer ao Pedro Caixinha.

AFCB: Que tipo de líder é o Pedro Malta?

PM: É frontal, não ter medo de dizer as coisas quando têm de ser ditas, dizer a verdade mesmo que nos custe. Esse é o principal tipo de líder, sempre na base do incentivo. Quando as coisas não correm tão bem, tentar direcionar o grupo para as ideias do treinador, na base da frontalidade e dar sempre o exemplo. Não é aquele que berra mais alto ou que está mais calado que é mais ou menos líder e também não há idade para a liderança. É nessa ideia que tento sempre seguir a minha liderança. Algumas vezes não serei tão justo, mas não é por minha intenção. Respeito todo o grupo de trabalho, desde o tratador da relva até aos jogadores. Esse é o meu perfil de líder e tenho-me dado bem.

AFCB: Na tua opinião, que características – físicas e mentais -, deve ter um jovem atualmente para singrar no futebol?

PM: Primeiro que tudo, a nível mental. Essa é a premissa fundamental. O jovem tem de estar capacitado, a nível mental, para enfrentar as dificuldades que vai ter pela frente. E é daí que sai a capacidade de superação, de resiliência e o trabalhar duro para ultrapassar essas mesmas dificuldades. Se o atleta for forte mentalmente, pode estar mais ou menos dotado de algumas capacidades, mas com o esforço e dedicação vai conseguir superar no que é menos capacitado e melhorar. Essa é a base de tudo para se poder ambicionar ser jogador profissional. Quem trabalha, sempre alcança e a base do trabalho é a mentalidade da pessoa.

AFCB: Que mensagem gostavas de deixar aos jovens do distrito que querem seguir o mundo do futebol – seja como jogador ou treinador?

PM: Acreditem sempre, até porque as dificuldades de antigamente não são as mesmas de agora. Quando jogava futebol tínhamos alguns jogadores de referência do distrito com muito potencial, mas como estava o panorama nacional era difícil lá chegarem. Atualmente, e como até já desempenhei esse papel no distrito, é muito fácil esse talento ser detetado e os jovens serem, pelo menos, observados. O filtro está tão apertado que não deixa passar qualquer talento, mesmo no interior mais profundo. Então acreditem sempre, estão sempre a ser observados neste momento e, quem tiver qualidade, vai ter oportunidade. Acreditem no trabalho.

A nível do treino, não temos grandes patamares para chegar a nível profissional, mas deem um passo em frente e procurem essas oportunidades. Capacitem-se, formem-se, tirem os níveis, conheçam outras realidades, não fiquem à espera das coisas. Quem trabalha, sempre alcança. Quem procura, vai alcançar. E quando elas chegarem, estejam preparados e aceitem sem medo.