Pedro Malta, de 43 anos, é treinador de futebol e integra a equipa técnica, como adjunto e analista, de Pedro Caixinha. O albicastrense está, atualmente, no Red Bull Bragantino, no Brasil, mas conta com passagens por vários países e realidades desportivas, como o México, Qatar, Escócia, Arábia Saudita e Argentina.

A carreira como jogador foi curta, até ao segundo ano de sénior no Benfica e Castelo Branco, e depressa percebeu que o seu futuro passava pelo banco de suplentes. O trilho como técnico começou ainda antes de ir para a Universidade, nas Escolinhas do CD Alcains e ARC Bairro Valongo.

Mais tarde, quando voltou já licenciado, orientou as Escolinhas e a equipa de Juniores do Benfica e Castelo Branco, estando igualmente na equipa técnica dos seniores. Coordenou a prospecção do Sport Lisboa e Benfica no distrito e colaborou com a Associação de Futebol de Castelo Branco, nas Seleções Distritais, antes de emigrar.

Pedro Malta é mestre em Ciências do Desporto e é o convidado deste mês da nova rúbrica “No Interior do Jogo”.

A AFCB esteve à conversa com o treinador e conheceu o percurso até fazer parte, de forma efetiva, da equipa técnica de Pedro Caixinha e as várias experiências desportivas no estrangeiro.

AFCB: Como foi a juventude? Foste jogador de futebol federado? Como nasce a ligação à modalidade?

PM: A ligação ao futebol nasceu naturalmente, porque a brincadeira, nos nossos tempos, era, maioritariamente, na rua. Lembro-me de passar verões a jogar à tarde e à noite e tinha a sorte de morar numa praceta, onde se juntavam 10 a 15 crianças no final do dia e uma das principais brincadeiras era o futebol.

Lembro-me de fazer aqueles torneios inter-bairros e recordo esses tempos com muita saudade. Cheguei a fazer algum percurso a nível federativo. Curiosamente comecei aos sete anos, quando ainda se jogava futebol de 11 nessa idade, mas depois tive uma paragem e só voltei a jogar, em termos federativos, com 15 anos.

Desde aí até ao segundo ano de sénior, fui federado, terminando na equipa sénior do Sport Benfica e Castelo Branco. Levava muito como um hobby, até porque quando começas a jogar futebol pensas sempre que vais ser jogador, mas com o passar do tempo, vais percebendo que não tens grande qualidade. E fiquei mesmo por aí.

A ideia era desfrutar e divertir-me a jogar futebol e nunca tive grande ambição, porque percebi que não ia ser como jogador que ia continuar a trabalhar na área. Quando fui para a Universidade, passei a jogar apenas com os amigos e a procurar outras vias para seguir a paixão pelo futebol.

AFCB: Quando começaste a tirar os cursos de treinador já tinhas a ideia de fazer carreira?

PM: Sim, nessa fase já tinha uma ideia clara daquilo que queria. Aliás, ingressei na Universidade de Évora, no curso de Educação Física e Desporto, e já aí tinha a área de especialização, em que escolhíamos uma modalidade e, nessa altura, sabia o que queria. Já via, a nível do treino, um caminho para seguir a minha paixão pelo futebol. A minha história ligada ao treino e que me faz estar, atualmente, ligado ao futebol, começou na Universidade de Évora. O treinador principal da equipa técnica onde trabalho, o Pedro Caixinha, era professor na Universidade de Évora, na especialização de Futebol. A minha história começou nesse momento.

Quando terminei o meu período da Universidade e o Pedro Caixinha assumiu o cargo de treinador principal da União de Leiria e, mais tarde, no Nacional da Madeira, convidou-me para fazer a observação das equipas adversárias, como prestador de serviços. Não fazia parte da equipa técnica. E coincidiu com o meu período em Castelo Branco. Dava aulas e tinha, em paralelo, esse tipo de trabalhos.

AFCB: Sentiste que, por teres iniciado a tua carreira de treinador em Castelo Branco, num distrito do interior, tiveste mais dificuldades em atingir o futebol profissional e os principais escalões?

PM: Claro que, para se trabalhar a nível do distrito, as referências que temos, que te permitam projetar a nível nacional, não são assim tão elevadas. É uma realidade. Mas se também ficamos na nossa zona de conforto, então nunca vamos conseguir dar esse passo em frente. Temos de procurar essas oportunidades. Claro que o facto de ter saído do distrito e entrado na Universidade e, por consequência, ter conhecido o Pedro Caixinha, ajudou a abrir portas a outros patamares.

Para se dar um passo em frente, temos de procurar essas oportunidades, quer a nível de formação, quer em termos de observação, estar perto de outras realidades. E, assim, as oportunidades vão surgir naturalmente. Quando elas surgirem, a pessoa tem de estar preparada e, muitas vezes, só passam uma vez e, se não aproveitam essa janela, não sabemos se haverá outra no futuro. Se estamos à espera que nos venham bater à porta, dificilmente isso vai acontecer. Temos de saber dar o passo em frente e estar preparado e agarrá-las quando elas surgirem.

AFCB: Em 2010-11, passas para observador da União de Leiria, que na altura estava na I Liga, e mais tarde, para o Nacional da Madeira. Como foi esse salto e essas duas experiências?

PM: Antes de chegar a esse ponto, tive uma primeira experiência de análise no Sporting Clube de Portugal. Ainda inserido naquilo que era o curso, tínhamos que realizar uma monografia e a minha foi no futebol, onde o Pedro Caixinha era meu professor. Nessa altura, ele estava a trabalhar no Sporting CP e criou um gabinete de análise e convidou-me para integrar esse projeto. Uma das funções, naturalmente, era analisar as equipas adversárias. O meu background vem um pouco daí.

Entretanto ele saiu do Sporting CP e, quando teve a oportunidade de regressar a Portugal como treinador principal, lembrou-se de mim e contactou-me no sentido de continuar a desenvolver o mesmo trabalho. Então foi um pouco a continuação do que já vinha desenvolvendo e, com o tempo, vai-se ganhando experiência e outro dinamismo. Portanto, não foi com grande dificuldade que abracei esses dois projetos.

A única dificuldade, como era prestação de serviços, era o valor que se recebia, que era simbólico e tinha de pôr muito do meu dinheiro para desenvolver o trabalho e era desgastante, em termos de percorrer o país em observações. Essa foi a minha principal dificuldade, tentar conjugar tudo e fazer um bom trabalho. Este período foi como uma avaliação ao meu desempenho para, mais tarde, fazer parte da equipa técnica do Pedro Caixinha. Tive de dar muito de mim para, mais tarde, recolher os dividendos. Como tinha ideia e sabia que queria mesmo que essa oportunidade surgisse, o meu foco foi nesse sentido.

AFCB: Quando é que passas, então, a fazer parte da equipa técnica do Pedro Caixinha?

PM: Quando ele assume o Santos Laguna, do México. Não entrei no primeiro torneio, entrei no segundo, a convite dele, para fazer parte da equipa técnica e auxiliar com a função especifica da análise dos adversários e da própria equipa.

A partir deste momento, além da função de observação, também coadjuvada o trabalho a nível do campo. Cada treinador tem uma área de especialização. Eu estava mais com a parte de análise, o Hélder mais com a bola parada, mas todos tínhamos influência a nível do campo. Desde o início, nunca fui um simples analista. Sempre trabalhei a nível do campo e, dentro disso, tinha a área de especialização para poder ajudar o treinador principal.

AFCB: Além de Portugal, já passaste pelo México, pelo Qatar, pela Escócia, pela Arábia Saudita, pela Argentina e agora estás no Brasil. Fala-nos um pouco de todas essas experiências…

PM: Como latinos, no geral, e portugueses, em particular, temos a capacidade de nos adaptar a qualquer realidade. Isso é aquilo que sinto que é o treinador português. A nossa adaptação a essas realidades foi fácil. Por outro lado, foi muito enriquecedor podermos trabalhar com tantas culturas, diferentes jogadores e mercados. Só te faz crescer como pessoa e como profissional.

De todas as realidades, aquela que é mais distinta, é a realidade do futebol árabe, que tem questões particulares, como a Religião e a mentalidade e seriedade do futebol árabe. Neste momento está em franca mudança e em expansão. Passámos grande parte do tempo naquilo que são países latinos, como o México, Argentina e, agora, o Brasil. São culturas muito similares às nossas e a adaptação foi sempre muito fácil nesse processo.

Em termos desportivos, no Brasil e na Argentina – dois países de referência em termos mundiais -, o futebol brasileiro tem muita qualidade individual e o argentino é muito agressivo e intenso. Não tem tanta qualidade, mas é muito intenso e vivem o futebol de forma apaixonada. O futebol mexicano está entre o brasileiro e o argentino, até porque têm muita mistura de jogadores.

A nível do futebol árabe, a realidade do Qatar e da Arábia Saudita têm duas dimensões diferentes. O primeiro, pelas influências dos treinadores estrangeiros, um pouco mais rico em termos táticos, com mais mentalidade europeia e brasileira. O futebol árabe não é tão evoluído taticamente, mas está em expansão. Tem essa lacuna tática, mas está a evoluir nesse sentido. Na Escócia, é um futebol dentro do que é o europeu. É muito físico, não tanto de cultura tática, mas muito intenso e agressivo. Era um futebol muito defensivo e vertical, na base da agressividade e da intimidação.