António Ribeiro Cristóvão é o convidado do mês de julho da Rúbrica “No Interior do Jogo”. Nascido em Proença-a-Nova, há 86 anos, cedo emigrou para Angola, onde deu os primeiros passos na Rádio.
Um dos nomes mais conceituados do Jornalismo Nacional Desportivo, fundou o mítico programa “Bola Branca”, na Rádio Renascença. Colaborou ainda com a RTP e a SIC, ligação que ainda mantêm atualmente. Com uma extensa carreira jornalística, fez a cobertura de diversos encontros internacionais, Campeonatos da Europa e Campeonatos do Mundo.
Já recebeu várias condecorações nacionais e distritais, como a Medalha de Mérito Desportivo e o Prémio Jornalismo “Cândido Oliveira”. A Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) também já o distinguiu com o Prémio Prestígio.
Nesta primeira parte da conversa com a AFCB, Ribeiro Cristóvão fala da infância em Proença-a-Nova, os tempos em Angola, o regresso difícil a Portugal e as experiências nos vários Europeus e Mundiais.
AFCB: Nasceu em 1939, em Proença-a-Nova. Que lembrança tem da infância naquele concelho?
RC: É um prazer estar aqui em contacto convosco e, sobretudo, para falar da minha terra, de Proença Nova e da minha Beira Baixa, que são uma região de que gosto muito e da qual guardo recordações inesquecíveis. Claro que a minha vida começou em Proença-a-Nova, onde nasci, filho de gente modesta, e onde frequentei a Escola Primária a partir dos seis anos. Foi aí que comecei, digamos, a receber a primeira e importante formação. Era uma figura querida daquelas gentes porque era muito comunicativo, era muito diretamente ligado àquelas pessoas, na altura ditas ricas, mais importantes, que me acarinhavam de um modo muito especial. Após o término da Escola Primária, tive que pensar na vida de outra maneira e, como nessa altura os recursos dos meus pais eram poucos, era muito difícil ingressar nos Liceus, porque realmente os custos que eram inerentes a essas participações eram muito elevados. Fui, como quase todos os rapazes da minha geração, para o Seminário. E fui para o seminário de Évora, onde fiz, durante cinco anos, uma aprendizagem muito importante.
Estive em Évora e em Vila Viçosa, mas foi particularmente em Vila Viçosa, que estive mais tempo, que adquiri uma base de formação muito importante que me serviu muito para a vida e que ainda hoje é muito importante para mim. Não me envergonho de dizer que andei no Seminário, o que acontece com alguns dos meus companheiros de rota nessa altura, mas pelo contrário, até me orgulho de pertencer a uma associação que é a Liga dos Antigos Seminaristas de Évora. Foi, nesta fase, que realmente aprendi que a vida não era fácil e que era necessário fazer muita coisa e, sobretudo, ter muita determinação para conseguir ultrapassar barreiras. Estive no Seminário até aos 16 anos, quando decidi também abandonar. E foi a partir dos 16 anos que realmente comecei uma outra vida. Ainda estive um ano inativo em Proença-a-Nova, até que depois fui para a Angola, onde iniciei um novo período da minha vida, da minha carreira e onde me fiz gente. Já ia com alguma formação, mas foi em África que adquiri realmente conhecimentos maiores que me serviram muito para a vida e me ajudaram muito na minha carreira. O meu percurso profissional começou num distrito muito distante do centro, no Moxico, no Luso, mas depois vim para a tropa, para Nova Lisboa e aí sim comecei a minha carreira e as minhas bases.
AFCB: Neste período de juventude, até aos 16 anos, praticou algum desporto federado? Como é que era a sua ligação com o desporto?
RC: Praticava aquele Futebol que era possível na altura, que era com a bola de trapos, as meias que roubávamos às nossas mães, fazíamos as bolas de trapos e fazíamos os nossos tremendos jogos, uns contra os outros. Aliás, tenho disso e desse período uma boa recordação, enfim, ou menos boa, porque foi um dia que, na Senhora das Neves, em Proença-a-Nova, num campo que tinha muitas árvores pelo meio, parti um braço e, portanto, não me posso esquecer disso. Fiz aquela atividade que era normal nesse tempo, pratiquei Futebol de rua, com os meus companheiros, mas comecei, sobretudo, a gostar muito de Futebol e a interessar-me por aquilo que se passava nos grandes clubes portugueses, particularmente naquele que, nessa altura, cativou especialmente a minha simpatia e ao qual me mantive ligado e me mantenho ligado até hoje. Na altura, o Sporting CP tinha uma grande equipa, ganhava todos os campeonatos, ganhou sete campeonatos em oito anos, tinha os famosos cinco violinos, que eram os cinco homens da Seleção Nacional. E, portanto, comecei a gostar de Futebol, a discutir, a interessar-me pelo fenómeno e, depois, em Angola, consegui também continuar essa ideia e essa propensão, vindo a jogar, inclusivamente, Futebol oficial, mas depois, a partir de determinada altura, dedicando-me, sobretudo, na rádio, à locução desportiva, onde acabei por ter uma maior atividade.

AFCB: Como conciliou o gosto pelo Futebol com o jornalismo?
RC: Já pensava e sonhei sempre. O meu pai tinha uma taberna em Proença-a-Nova e havia uma parede que estava toda preenchida com os recortes de jornais. Tinha uma grande paixão pelas coisas que se publicavam nos jornais e aproveitava da melhor forma e davas-lhes, também, a maior proeminência possível. Mas, foi em Angola que conheci o início da minha atividade, onde estive quatro anos no Luso, em que comecei a fazer rádio, ainda bastante incipiente. Quando vim para Nova Lisboa, para a tropa e consegui conciliar com a minha presença na rádio, as coisas transformaram-se completamente. Entrei, nessa altura, para a Rádio Clube do Huambo, estava na tropa há seis meses. Nessa altura, era a segunda mais importante rádio de Angola, que tinha 17 emissoras, e foi aí que comecei a dar os primeiros passos na rádio mais a sério. Primeiro a fazer programas, de algum modo, recreativos mas, mais tarde, envergando também pela parte desportiva.
É, neste momento, que surge uma figura, para mim, inesquecível. Tive como uma mão a auxiliar-me na minha entrada no jornalismo desportivo, em Nova Lisboa, uma pessoa que hoje está sepultada em Proença-a-Nova, que é o Fernando Cardoso da Silva Antunes. Já tinha muitos anos de rádio em Angola e que, posteriormente, deu-me a possibilidade de trabalhar com ele na Rádio Clube do Huambo. Foi com ele que iniciei a minha carreira e fiz tudo - relatos, reportagem desportiva, fiz, inclusive, correspondência com a emissora oficial de Angola e até vim duas vezes a Portugal fazer relatos de Futebol, o último dos quais foi, curiosamente, depois do 25 de Abril, uma final da Taça de Portugal, entre o Sporting CP e o SL Benfica.
A ligação com a rádio começou aos 18 anos, no Luso, mas depois, esse vínculo tornou-se mais forte aos 20 anos, já ao serviço da Rádio Clube do Huambo que, como disse, era uma das mais prestigiadas emissoras angolanas desse tempo. Uma ligação que durou até 1976, quando voltei para Portugal. Regressei a 28 de Setembro de 1975 e, até essa altura, mantive a minha participação com a Rádio Clube do Huambo. Nos últimos anos já não era uma ligação tão efetiva, porque, entretanto, também entrei para uma grande empresa, onde trabalhei muitos anos, a Cuca, que era uma empresa de cervejas. Trabalhei muitos anos e fazia, simultaneamente, a minha atividade, tanto na cervejeira, como na Rádio Clube do Huambo.
AFCB: Em 1976, regressa a Portugal para ingressar na Rádio Renascença. Como foi esse retorno?
RC: Foi um regresso um pouco doloroso, porque vim de Angola, como é evidente, contrariado. Já tinha feito de Angola a minha terra, tinha casado lá, tinha três filhos nascidos lá e, quando vim para Portugal, foi realmente um rombo importante na minha vida. Estive em Portugal, durante quatro meses, à procura de emprego - creio que corri todos os cantos de Lisboa, à procura de emprego, mas só consegui entrar para a Rádio Renascença no dia 01 de Fevereiro de 1976. Quando entrei para a redacção, a Renascença vinha de um processo muito complicado, tinha sido devolvida à Igreja depois de ter sido ocupada durante alguns meses, por forças de esquerda, que queriam alterar completamente o rumo e a perspetiva de uma emissora católica. Entrei com algumas cautelas, com algumas reservas, com um contrato a prazo de um mês, porque as pessoas não me conheciam, não sabiam quem era, mas felizmente, ao fim de 20 dias, fui convidado, pela administração da Rádio Renascença, para fazer um contrato definitivo, que se manteve no tempo. Ainda hoje falo para a Rádio Renascença, quando os responsáveis do Desporto entendem necessário e, sobretudo, participo, quase diariamente, no site.
AFCB: Quando voltou estava também focado na parte desportiva ou fazia a cobertura de outros assuntos?
RC: Não, fazia a cobertura de outros assuntos. Inicialmente só fazia praticamente informação – fazia informação desportiva muito esporadicamente, porque nessa altura, o tempo de antena desportivo da Rádio Renascença era explorado por uma empresa privada, pela Rádio Placar, do Porto, que às vezes, convidava-me a entrar e a fazer relatos. A minha atividade como elemento desportivo só aconteceu a partir de 1980, que foi quando a Rádio Renascença chamou a si a gestão do departamento de desporto e convidou-me para tomar conta desse mesmo departamento. Nessa altura convidei o Artur Agostinho, que tinha regressado do Brasil, e fizemos uma grande equipa - com o Artur Agostinho, com o Alves dos Santos, com o Romeu Correia, com o Vítor Sérgio -, uma série de figuras de topo desse tempo. Fundámos o departamento desportivo, que adquiriu uma preponderância enorme num panorama nacional em que era a rádio mais ouvida em Portugal.
AFCB: É um dos fundadores do mítico programa Bola Branca da Rádio Renascença. Como é que surgiu a ideia e perspetivava um projeto que ainda hoje é uma referência no desporto radiofónico?
RC: Não era um dos fundadores, fui o fundador. Os outros colaboraram comigo, mas o fundador da Bola Branca fui eu. Já tinha um programa com esse nome em Angola, porque houve um determinado período em que os campos não eram eletrificados ou eram mal eletrificados e, na altura, decidiu-se jogar com Bola Branca para, de noite, se poder ver a bola. Criou-se, então, um programa em Angola, na Rádio Clube do Huambo, que era a Bola Branca, título que trouxe para a Rádio Renascença. Com o tempo, juntaram-se vários elementos importantes que deram continuidade ao projeto e que o mantiveram durante muito tempo, até aos dias de hoje. A Bola Branca tornou-se uma referência da informação desportiva nacional, fundamentalmente por duas razões - a primeira era ser séria, ser uma informação séria, uma informação que não fosse permanentemente contestada e desmentida e que fosse também rigorosa, que tivesse rigor e seriedade. Foi assente nesses dois pressupostos que a Bola Branca se fundou aqui em Portugal e cresceu e que realmente atingiu a notoriedade que ainda tem.

AFCB: Com uma carreira tão extensa na área do jornalismo, tem ideia de quantos jogos já narrou / comentou durante a sua carreira jornalística até hoje?
RC: Tenho a sensação de que, contando com Angola, onde relatei também muitos jogos do Campeonato de Angola e dos Campeonatos Distritais, devo ter feito mais de mil jogos. Acho que é uma soma interessante e importante, que fica como um registo também muito importante da minha carreira.
AFCB: Acredito que, na área do jornalismo desportivo, um dos objetivos é fazer a cobertura de um Campeonato da Europa ou um Campeonato do Mundo. Já fez a cobertura de quantos Europeus e Mundiais?
RC: Já fiz Campeonatos da Europa, Campeonatos do Mundo, Ligas dos Campeões Europeus, Taça dos Campeões Europeus … fiz muita coisa nessas áreas. O meu primeiro Campeonato da Europa foi em 1984, disputado em França. Estivemos com a Seleção Portuguesa, onde fizemos uma excelente participação. Essa foi a minha primeira grande participação a nível Europeu, mas a nível Mundial, a primeira grande participação em que estive presente foi no Campeonato do Mundo de 1982, em Espanha, onde tivemos a presença espanhola, o organizador, e de mais 16 países - um dos quais o Brasil que, para mim, nessa altura, teve aquela que, até hoje, foi a melhor e a mais brilhante Seleção do Brasil. Esse foi o primeiro Mundial que fiz, na companhia do Artur Agostinho e do Alves dos Santos. A partir daí, estive em vários outros Campeonatos, estive em 1986, dois anos depois, no célebre Campeonato do Mundo, em Saltillo, no Mundial do México, em que tivemos uma participação para esquecer.
No Campeonato da Europa, voltei a estar em 1996, foi quando Portugal disputou o Europeu em Inglaterra e teve também uma excelente participação e, a partir daí, estive no Euro 2004 e tive também as minhas participações já à distância, nesse caso, no Campeonato do Mundo em Seul, na Coreia do Sul. É verdade, estive também no Campeonato da Europa de 2000, na Bélgica e Países Baixos. Recordo-me que Portugal fez o primeiro jogo contra Angola e venceu com muita dificuldade. É mais um marco que fica na minha carreira e tenho muitas saudades desse tempo, porque foi também a primeira vez que Portugal jogou, a nível oficial, contra Angola, que também me dizia muito.