Jorge Nunes é o convidado do mês de maio da rúbrica “No Interior do Jogo”. Natural da Sertã, é um dos nomes fortes da arbitragem no distrito de Castelo Branco e no panorama nacional.
Sócio de Mérito da Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) e distinguido, em 2013, com o Prémio Prestígio, o trajeto no mundo do Futebol é extenso e conta com passagens pela liderança diretiva do Sertanense FC, a Presidência do Conselho de Arbitragem da AFCB e mais de 12 anos de ligação à Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
A AFCB esteve à conversa com o Jorge Nunes, ficando a conhecer como nasceu a ligação à arbitragem, a curta carreira como árbitro e de que maneira mudou a imagem dos “homens do apito” perante os restantes agentes desportivo no universo da AFCB.
AFCB: Como foi a infância? Praticou algum desporto federado durante a adolescência?
JN: A infância foi a normal de uma criança que nasceu numa família em que o pai tinha a profissão de alfaiate e era proprietário de uma taberna, onde se vendia tudo e se via de tudo. Não havia luz elétrica, esta só chegou quando já cumpria o serviço militar. Foi uma infância muito diferente das crianças atualmente. Não pratiquei nenhum desporto federado. Só desporto escolar e durante um período curto.
AFCB: É natural da Sertã, do distrito de Castelo Branco, no interior do país. Acredita que esta condição dificulta a ascensão no Futebol Nacional?
JN: Não. É verdade que, estando perto dos grandes centros ou mais perto do litoral, as oportunidades aparecem com maior frequência, mas o importante é, quando as mesmas surgem, sabermos agarrá-las e sermos competentes. Neste contexto de interior, as oportunidades, por norma, são como a água, só passam uma vez debaixo de cada ponte.
AFCB: Como surgiu a ligação à arbitragem? Fez carreira como árbitro?
JN: A minha ligação à arbitragem surgiu, curiosamente, em resultado da atividade dos meus pais, ou seja, a taberna. A minha adolescência foi passada na taberna dos meus pais, a trabalhar e a conviver com clientes - a nossa taberna era conhecida como “A Casa dos Passarinhos” e ficava a cerca de quatro quilómetros da Sertã, numa localidade chamada Portela dos Bezerrins. Como a minha mãe cozinhava muito bem, a nossa casa era muito frequentada por pessoas da zona de Castelo Branco. Até que, a dada altura, as equipas de arbitragem da Associação de Futebol de Castelo Branco e da Associação de Futebol de Portalegre, quando vinham arbitrar jogos à Sertã e a Cernache do Bonjardim, começaram a frequentá-la, para almoçar antes dos jogos, lanchar ou jantar, ou até mesmo para se esconderem quando os jogos não corriam muito bem. Esta relação com esses árbitros intensificou-se, ao ponto de começarem a pedir à minha mãe para me deixar ir com eles para os jogos. A partir daí, fiquei o maior fã dos árbitros, sentimento que ainda hoje acontece.
No final dos anos 70, frequentei um curso de árbitros que o Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Castelo Branco realizou na Sertã. Entretanto fui para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, e mais tarde, para o Regimento de Cavalaria de Estremoz, onde arbitrava muitos jogos. Um dia, houve um jogo entre Oficiais do Regimento e Oficiais da Região Militar Sul em que, na opinião dos “senhores jogadores”, não correu bem e aproveitei esse momento para acabar aí a minha curta carreira de árbitro.

AFCB: Foi Presidente do Sertanense FC, em dois mandatos não seguidos. O que o fez avançar para o cargo? Como foi essa experiência?
JN: É verdade. Fui Presidente do Sertanense FC em dois momentos. Primeiro entre 1988 a1994. Até essa altura, o clube nunca tinha estado em competições nacionais. Quando assumi a presidência, o Sertanense tinha sido Campeão Distrital da AF Castelo Branco na época anterior, com o treinador António Pereira (conhecido pelo Mourinho dos Pobres) e cujo Presidente da Direção era o Luís Farinha. Nessa altura, estava na Assembleia Geral e era o responsável pela equipa de Juniores. Era tudo novidade, não havia experiência nestas andanças, nem conhecimento para adquirir os recursos humanos e financeiros para ir disputar uma competição nacional. Havia muitos receios e o tempo passava sem aparecer ninguém disponível para liderar o Sertanense, embora no seio da Direção, o meu nome começasse a ser falado como uma possibilidade. O Presidente da Câmara Municipal da Sertã na altura, Ângelo Pedro Farinha, vivia muito o futebol e tudo o que tinha a ver com o concelho da Sertã. Havia, contudo, outra “figura” na Sertã que também fazia parte da história do Sertanense, que era o Dr. Ângelo Bastos, uma pessoa muito amiga do Sr. Presidente da Câmara. Um dia fui abordado por ambos no sentido de fazer uma lista e concorrer à presidência do Sertanense. Acabei por aceitar o desafio e tornei-me, aos 27 anos, o Presidente mais novo do país a liderar um clube nas competições nacionais.
O segundo momento foi entre 1996 e 1997. Era Vice-Presidente da Assembleia Geral da Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) e pedi a suspensão do mandato. Voltei, mais tarde, a este cargo e ainda fiz outro mandato na AFCB.
AFCB: Posteriormente, assume o cargo de Presidente do Conselho de Arbitragem da AFCB. Como surgiu este convite?
JN: Exatamente. O convite surgiu pelo Presidente da Direção da AFCB na altura, o Senhor Mário Minhós. Enquanto Vice-Presidente da AG da AFCB tinha sugerido ao Conselho de Arbitragem que realizasse um curso de candidatos a árbitros na Sertã. O então Presidente do Conselho de Arbitragem, Dr. Francisco Alveirinho, lançou-me um desafio: realizava o curso, se garantisse, pelo menos, dez candidatos. E isso foi conseguido e até ultrapassado. Correu de tal forma bem que as pessoas, conhecendo o meu trabalho no Sertanense e na AFCB, consideraram que, mesmo nunca tendo sido árbitro, era a pessoa certa para o lugar. E correu muito, muito bem mesmo.
AFCB: Quais os principais pontos que destaca na liderança da arbitragem da AFCB?
JN: Os principais pontos foram, efetivamente, o aumento do número de árbitros, tanto no Distrito, como na Federação Portuguesa de Futebol, a credibilização do árbitro, enquanto pessoa e, sobretudo, aquilo que foi a aceitação por todos os agentes desportivos da figura do árbitro, enquanto agente do futebol. Neste aspeto, contei com o apoio da comunicação social, que esteve sempre disponível e ao nosso lado para dinamizar e elevar todas atividades relacionadas com a arbitragem. Mudou-se, de uma forma bastante evidenciada, a imagem do árbitro. Os árbitros foram instruídos e incutidos a melhorar a sua imagem corporal e aparência. Só para dar um exemplo, conseguiu-se que os árbitros, que apitavam seniores no Campeonato Distrital, fossem de fato e gravata para o jogo. Não é que isso evidenciasse uma melhor qualidade, mas transmitia uma melhor confiança da pessoa e da equipa de arbitragem. A mensagem passada pela imagem tinha de começar ainda no pré-jogo. E a aceitação do erro do árbitro era muito maior, havendo uma imagem diferenciada daquilo que era o habitual.
Incentivámos muito as relações interpessoais dos árbitros com os agentes desportivos - diretores, delegados e jogadores. Fizemos um protocolo com a Lacatoni e disponibilizámos novos equipamentos, com imagem nova, com fatos de treino atuais e tróleis. Isso melhorou bastante a imagem do árbitro porque, sinceramente, acho que era uma necessidade para aquele momento.
Tínhamos também dois momentos marcantes na época desportiva. Em dezembro, realizávamos a Festa de Natal do Conselho de Arbitragem, em que eram convidados todos os árbitros e respetivas famílias e em que oferecíamos presentes aos filhos. Era sempre um grande convívio. O outro momento era a Festa de Encerramento da Temporada do Conselho de Arbitragem. Organizámos, desde 2004 a 2011, em todos os Municípios do distrito e tínhamos sempre convidados de arbitragem nacional. Era um momento de reconhecimento do trabalho dos nossos árbitros por pessoas com responsabilidade da arbitragem do país e isso enchia-nos de orgulho e quase que nos obrigava a fazer melhor na época seguinte.
É justo reconhecer que toda esta evolução da arbitragem distrital, também se deveu em parte ao árbitro Carlos Xistra. O Carlos, nessa altura com estatuto nacional e internacional, ajudou-me muito, sobretudo naquilo que foi a mensagem de credibilidade que passou para a comunicação social, para todos os árbitros e para todos os agentes do futebol do distrito.

AFCB: Após sair do Conselho de Arbitragem da AFCB, assume um cargo no Conselho de Arbitragem da FPF. Como surgiu esta oportunidade?
JN: Ainda hoje não sei como é que a oportunidade surgiu. Sei que a arbitragem nacional passava por momentos difíceis, vinha de um processo muito negativo - o Apito Dourado. Mas, felizmente, isso não foi impactante com a arbitragem de Castelo Branco e, mesmo tendo a possibilidade de diversificar contactos a nível nacional, essa foi uma situação que nunca nos deu problemas. Na altura, a arbitragem, a nível nacional, estava separada. A arbitragem profissional estava na Comissão de Arbitragem da Liga e a Não Profissional e o Futsal estava na Federação Portuguesa de Futebol. Os Conselhos de Disciplina também eram separados. Com a incrementação do novo regime jurídico e dos novos estatutos no mandato do Fernando Gomes, a Disciplina e a Arbitragem passaram para a FPF. Antes disso Vítor Pereira era Presidente da Comissão de Arbitragem da Liga, Carlos Esteves Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF e o Luís Guilherme Presidente da APAF. O Luís Guilherme, que tinha sido anteriormente Presidente da Comissão de Arbitragem da Liga. s relações institucionais e pessoais, nesta altura, não existiam.
Até que, por altura das comemorações dos 75 anos da Associação de Futebol de Castelo Branco, o Presidente da Direção Dr. Carlos Almeida dedicou, durante o período das comemorações, algum tempo para a Arbitragem. Nesse sentido, falei com os meus colegas do Conselho de Arbitragem e com o Sr. Presidente da AFCB e sugeri-lhe concentrar tudo num dia só dedicado à Arbitragem. A ideia avançou e apresentei uma proposta no sentido de fazer um dia com vários convidados, figuras relevantes de arbitragem a nível nacional. Fizemos um colóquio com vários temas, mas, só para dar uma ideia, trouxemos, nesse dia, figuras muito importantes e da arbitragem nacional. Consegui juntar três pessoas que não se falavam, nem pessoal, nem institucionalmente – Presidente da Comissão Arbitragem da Liga, da FPF e da APAF. Isto foi logo uma novidade para o país, foi como tornar possível algo que muitos pensavam impossível. Trouxe vários oradores, também com renome nacional, entre eles o treinador Octávio Machado, o comentador David Borges e o António Cardoso, que era uma figura preponderante no Futsal nacional e internacional, na altura. Participou também o Olegário Benquerença, que estava no topo a nível internacional, e o pai o Senhor Manuel Benquerença que era Presidente do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Leiria. O que é certo é que o evento correu de tal maneira bem, que mais tarde, o candidato a Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, Vítor Pereira, lembrou-se de mim. Penso que isso foi o clique que o fez convidar-me.
É verdade que antes deste momento em 2011, já tinha havido em 2010 a possibilidade de eu ir para o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol nessa altura como candidato a Presidente, contudo esse processo eleitoral acabou por não se realizar (e ainda bem).