José Luís Mendes, de 57 anos, é um dos principais rostos do Futsal Nacional. Natural da Covilhã, o treinador sagrou-se, recentemente, Campeão da Europa Sub-19 de Futsal e é o braço direito do Selecionador Nacional, Jorge Braz.

Passou pelo Futebol e pelo Futsal Feminino e Universitário, antes de chegar ao Futsal Masculino Sénior – AD Fundão e Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Nesta 2ª parte da conversa com a AFCB, o técnico revela os principais focos na observação de jovens jogadores, que características – físicas e mentais – devem ter os atletas modernos e deixou ainda uma mensagem para todos os que querem seguir vida no Futsal, seja como treinador ou jogador.

AFCB: O que é que um Treinador Nacional procura, no processo de formação, num jogador?

JLM: Procuramos identificar o talento e potencial dos miúdos, dentro daquilo que são algumas variáveis. Todos os fins de semana vamos observar jogos e aquilo que procuramos é identificar características muito próprias daquilo que é o potencial do jogador. Quando vamos observar jogadores, preenchemos uma ficha de observação, com vários pontos. Por exemplo, um miúdo que seja muito explosivo e que chama logo a atenção poderá ter algum indicador importante para determinada posição daquilo que é o jogador de Futsal.

Olhando para a parte física, que características são no nosso entender essenciais – força e explosividade -, se é ou não coordenado, que é extremamente importante, e também para as questões de velocidade e agilidade. Vemos também os fundamentos ofensivos, mais em termos individuais, o 1x1 ofensivo, que é muito importante para nós, e se depois do 1x1, consegue dar seguimento à jogada - temos exemplos de jogadores que são muito bons no 1x1 ofensivo, mas a seguir não aproveitam as vantagens criadas por esse primeiro desequilíbrio. O 1x1 defensivo, como é que o miúdo impede a progressão (a forma como coloca os apoios) do adversário – é uma das dificuldades que acabam por ter -, as questões de lateralidade, que são extremamente importantes, a questão de dominar, par e bola nos deslocamentos e acompanhamentos defensivos, etc. Temos um leque de variáveis que observamos.

 Focamos-mos igualmente na parte psicológica, que só é possível verificarmos com observação direta. Se o jogador é competitivo ou não, se é resiliente, se tem controlo emocional em situações de maior adversidade, etc... E agarramo-nos muito a isto para identificar e “classificar” os jogadores. A ficha de observação é partilhada com os Selecionadores Distritais, porque a primeira triagem é feita pelas ADR’s e pelos Selecionadores Distritais e, nesse sentido, partilhamos este documento, para que eles também consigam avaliar os jogadores que convocam. Os TIA são o início da referência do potencial destes jogadores, e à posteriori, fazemos o acompanhamento nos Campeonatos Nacionais. Num universo de 22 ADR’s, multiplicando por 12 jogadores, dá um total de 234. Este é um número bastante elevado para uma primeira triagem, o trabalho das ADR’s é uma ajuda fantástica nesta fase inicial.

AFCB: Que características – físicas e mentais -, devem os jovens para singrar no Futsal?

JLM: Têm de ter muita vontade e querer muito ser jogador de Futsal. Podemos identificar um atleta com talento, mas por vezes, acaba por perder-se. Muitas vezes aquele miúdo que não é tão talentoso, mas tem potencial, luta por querer algo mais de querer chegar mais acima e atingir coisas, isso é que acaba por ser decisivo. O fundamental é o atleta querer muito lá chegar e, além dessa vontade, saber o que fazer para lá chegar. Utilizamos muito esta expressão quando os miúdos chegam às Seleções Nacionais: “Não desperdicem um segundo no treino nos vossos Clubes”, porque um segundo multiplicado por vários treinos vão representar minutos e horas. E esse desperdício, às vezes, pode ter influência no futuro. Além das qualidades individuais, o querer aprender, o viver para a modalidade, o querer evoluir, é fundamental e isso depende dos jogadores. Claro que os treinadores, os dirigentes e os pais também têm um papel preponderante, mas se não forem os próprios, dificilmente vão lá chegar. Normalmente, aqueles que chegam ao topo são miúdos que vivem para a modalidade – vão ver jogos, conhecem os jogadores, assistem a encontros independentemente do género ou do escalão.

AFCB: Conquistaste, em 2022, o Torneio Montaigu e, em 2023, levaste Portugal à conquista do primeiro Europeu Sub-19. Qual foi o sentimento? É o reconhecimento de um trabalho de vários anos?

JML: Fico extremamente feliz pelos jogadores. Participámos em três Campeonatos da Europa – 2019, 2022, 2023 – e em 2019 fomos eliminados, nas grandes penalidades, nas meias-finais e, em 2022, perdemos a final com Espanha. Fomos sempre em crescendo e ganhar é sempre importante. Ficámos muito felizes com esta conquista, mas a nossa maior felicidade é termos jogadores que participaram nesses três Campeonatos da Europa e já são internacionais A. De 2019, temos o Tomás Paço, o Neves. Em 2022, há o Kutchy, o Diogo Santos, o Carlinhos e o Ruben Teixeira e, desta Seleção de Sub-19 em 2023, já temos o Lúcio como internacional A. Isto é a nossa maior vitória. O grande objetivo das nossas Seleções jovens é potenciar jogadores para que, mais tarde, cheguem à Seleção Principal.

Não podemos dormir sobre este trabalho. Temos de procurar fazer mais e melhor, porque senão, se nos distrairmos, os outros vão-nos ultrapassar e não é isso que queremos. Estamos a fazer algumas coisas bem, mas há sempre espaço para melhorar – da base até ao topo. Por isso é que valorizamos muito, os TIA, o trabalho desenvolvido nas ADR’s e nos Clubes.

AFCB: Que tipo de líder é o José Luís Mendes?

JLM: Isso é uma pergunta difícil. Acho que existem vários tipos de liderança, tem muito a ver com questões de personalidade. Sou algo impulsivo durante o jogo, reconheço isso, e às vezes, para quem está do outro lado, os jogadores, não é fácil, porque cada jogador é uma individualidade e reagem de formas diferente, mas depois habituam-se. Tento corrigir isso, tem muito a ver com a minha personalidade e forma de estar. Em relação à parte do treino e da preparação dos jogos aquilo que procuro é ser o mais objetivo e prático na informação que partilho com os atletas. Todos eles têm que saber o que se pretende com o exercício, qual ou quais os objetivos. Preocupo-me muito em estudar os adversários, em perceber os caminhos mais viáveis para tentar chegar à vitória, ser extremamente rigoroso comigo e ir para o jogo muito bem preparado. Quando vou para a partida, tenho de estar muito bem preparado e saber tudo o que o adversário faz. Claro que podemos ser surpreendidos, porque há alterações, e aí tenho de saber ler o jogo, que é isso que também faz parte do treinador. Muito rigoroso acima de tudo, em todos os aspetos.

AFCB: Qual a opinião sobre a evolução do Futsal em Portugal - masculino e feminino? E no distrito?

JLM: Tenho alguma dificuldade, a nível do distrito, porque não tenho visto jogos. Olhando para aquilo que tem acontecido nas Seleções Distritais nos últimos anos, acho que Castelo Branco está num nível engraçado. No TIA Sub-15, que aconteceu em fevereiro, os miúdos apresentaram um nível interessante e, o ano passado, nos Sub-13 aconteceu o mesmo. Acho que as coisas estão a acontecer, infelizmente só temos uma equipa a representar o distrito nos Campeonatos Nacionais. Penso que há potencial para existirem mais representantes, mas tem de existir um entendimento entre os vários Clubes e definir algum Plano Estratégico para que, de uma forma conjunta e concertada, se consiga ajudar a desenvolver o potencial dos jogadores, independentemente dos clubes que representem, e esse potencial desenvolve-se mais quando o nível da competição é mais exigente. Sempre tive esta visão. Há 30 anos, quando comecei a treinar, partilhava já este pensamento. Por exemplo, considerava que a AD Estação deveria ter um entendimento com o Sporting da Covilhã na formação, porque iria ser sempre bom para os jovens... e continuo a partilhar desse mesmo sentimento agora para o Futsal distrital de formação, sabendo de antemão que existem algumas questões que por vezes não são fáceis de resolver.

A nível feminino, a criação do Campeonato Nacional trouxe algumas mudanças estruturais. Houve um aumento do volume de trabalho e a verdade é que a nossa Seleção Nacional Feminina é de top europeu e mundial. Esteve muito perto de alcançar títulos, mas ainda não foi possível e, por isso, há ainda algum caminho a percorrer. Creio que deveríamos ter mais equipas de formação, uma vez que a maior parte das ADR’s ainda não tem Campeonato Feminino de formação. Penso que será esse o próximo passo. A base para alimentar o topo. A criação do Campeonato Nacional Sub-19 veio ajudar, mas penso que terão de ser as ADR’s a tentar puxar jovens. Sei que é muito difícil, mas creio que se houver Campeonatos Distritais, nos vários escalões femininos, isso ajudará ao desenvolvimento. Este ano, pela primeira vez, atingiu-se as cinco mil praticantes femininas a nível nacional. É um número considerável, o maio de sempre, é um fator de desenvolvimento. Agora vamos ter de aumentar a qualidade. A nossa sociedade, penso eu, ainda tem alguma relutância em ver meninas a praticar Futebol ou Futsal, por vezes os pais têm a tendência de optar por outras modalidades desportivas – o que também é importante -, mas penso que o mais importante, para darmos o salto no feminino, é haver um incremento de clubes nos Campeonatos Distritais de formação a nível nacional.

No masculino, há sempre espaço para melhorar, as coisas estão a acontecer. Desde que houve o Plano de Desenvolvimento Estratégico para o Futsal, houve uma diferença muito grande. A criação das Seleções jovens foi fundamental. Teremos que continuar a melhorar os nossos quadros competitivos, ver qual é a melhor forma de potenciar mais jovens. Este ano, pela primeira vez, houve Campeonato Nacional II Divisão Sub-19. O próximo passo poderá ser criar II Divisão nos outros escalões – Sub-17 e Sub-15. Penso que estamos no bom caminho, queremos continuar a aumentar o número de praticantes nos dois géneros e, quantos mais praticantes houver na base, a sustentabilidade do Futsal acaba por ser maior. A aposta tem de ser por aí. Temos de continuar a qualificar os agentes da modalidade – treinadores e diretores - e o processo de Certificação veio ajudar muito no melhoramento da organização dos próprios Clubes. Há vários eixos que têm de continuar a ser trabalhados para que isto continue a crescer. Não podemos parar.

AFCB: Que mensagem gostava de deixar aos jovens do distrito que querem seguir o mundo do futsal – seja como jogador ou treinador?

JLM: Só vai depender deles. Têm de acreditar que, se têm esse sonho, o mais importante é saber “o que é eu vou fazer para alcançar isto?”. É essa a mensagem que quero passar. Somos aquilo que construirmos. O que é que faço todos os dias para alcançar esse objetivo. E quando vão aos treinos, é para treinar. Isso só depende de cada um. Toda a gente tem capacidade para querer sempre mais. Nem sempre o mais talentoso ou que tem mais jeito é o que vai chegar lá a cima. Vai depender muito deles. Temos o exemplo de alguns jogadores que identificámos com um grande talento e depois não singram. Dou sempre o exemplo do Zicky Té. A primeira vez que o vi jogar, com 14 ou 15 anos, já era alto, esguio, mas extremamente descoordenado. Só que ele tinha uma coisa que mais ninguém tinha: a bola batia-lhe no pé, ia dois metros para a frente, mas a seguir ele ia lá buscá-la. A vontade, o querer, o trabalho a paixão…. Via-se que tinha alguma coisa de especial. E o Zicky é um excelente exemplo de superação e perseverança. Olhávamos para ele e dizíamos que tinha algumas dificuldades técnicas, mas em termos de potencial e vontade, ninguém lhe apontava nada. Hoje é uma referência a nível nacional.

Se têm esse sonho, que trabalhem para ele, nunca descurando o Plano A, ou seja, os estudos. Não há nenhum jogador de Futsal que tenha feito carreira e, após deixar a quadra, não precise de fazer mais nada da vida. O Futsal não é Futebol e não dá garantia e estabilidade financeira para não pensarmos em mais nada. Portanto têm de ter sempre presnte o Plano A – os estudos – e a seguir o desporto. E trabalhar todos os dias para atingir o sonho.