João Afonso é um dos exponentes máximos do futebol no distrito de Castelo Branco. O jogador, de 33 anos, é capitão do Torreense, da II Liga, e já passou por vários clubes, como o Vitória Guimarães, Estoril-Praia, Santa Clara, entre outros.

O albicastrense começou a jogar na rua da avó, com os amigos e, com seis ou sete anos, inscreveu-se no primeiro clube – a ARC Bairro do Valongo. Na formação, passou por também pelo Desportivo Castelo Branco, mas foi no Sport Benfica e Castelo Branco que se afirmou na equipa principal, tendo chegado a capitão.

João Afonso é o convidado de fevereiro da nova rúbrica da Associação de Futebol de Castelo Branco: “No Interior do Jogo”.

Mestre em Atividade física, o central já passou pela I Liga, II Liga, II Divisão Espanhola, Campeonato de Portugal e foi orientado por treinadores bastante conhecidos, como Rui Vitória, Sérgio Conceição ou Luís Castro.

A AFCB esteve à conversa com João Afonso e ficou a conhecer melhor o seu percurso até chegar ao patamar mais alto do futebol nacional.

AFCB: Como nasceu o gosto pelo futebol?

JA: Na minha geração, era um bocado normal gostar de futebol. Quando brincávamos com os amigos na rua, a bola estava sempre presente. Lembro-me bem de, na rua da minha avó, jogar com os netos das outras senhoras depois das aulas. Mesmo na escola, a bola estava sempre presente. Há quem tenha familiares que também já foram jogadores, mas não é o meu caso.

Nem sei dizer ao certo como nasceu este gosto. As memórias são de jogar com os amigos na rua da minha avó materna. E também foi um pouco por influência dos amigos. Não brincávamos muito com bonecos, era mesmo só a bola.

AFCB: Pensavas em seguir uma carreira como jogador profissional? Com que idade começaste a ter esse pensamento?

JA: Nos escalões de formação e na nossa zona, não se alimenta muito o sonho de ser profissional. Jogávamos por gosto, por prazer e, com essa idade, não olhávamos para a questão de ser profissional. Quando os familiares perguntavam o que queria ser, dizia sempre jogador de futebol e eles metiam-me logo os pés no chão e faziam-me ver que era preciso ter uma alternativa. Em casa, na inocência e sem saber sequer o que isso acarreta, dizia sempre que queria ser jogador de futebol.

Quando comecei a pensar nisso, de uma forma mais séria, foi nos juniores. No primeiro ano ia, a espaços, treinar com os seniores e, na época seguinte, já o fazia regularmente. Portanto, a partir daí, começa a ser mais sério. Quando jogava com colegas da mesma idade, o meu pensamento era um pouco diferente, apesar de nos escalões de iniciados, juvenis e juniores ter feito sempre um ano de Campeonato Nacional

Quando se chega a sénior, a expectativa já é diferente. Se conseguimos competir contra colegas mais velhos e mais experientes, com outro tipo de vivências, já começa a dar uma ideia diferente. Começamos a ouvir a pessoas comentar que “pode dar jogador”, “se fizeres desta forma, podes conseguir…”. Comecei a jogar com regularidade, a partir da 3ª ou 4ª jornada, nos seniores do Benfica Castelo Branco no meu primeiro ano e é normal. A performance era boa e as pessoas também comentavam. No distrito, a nível profissional, tínhamos o Sporting Covilhã, que era ali ao lado, e a partir daí, podia abrir-se uma janela.

AFCB: Como foi o teu percurso na formação até à idade de sénior?

JA: Tenho a particularidade de ter jogado em todos os clubes da cidade. Comecei na ARC Bairro Valongo – de escolinha até iniciado de primeiro ano -, depois, por protocolo e para ir jogar o Campeonato Nacional, mudei para o Desportivo Castelo Branco – de iniciado até juvenis – e, em juniores, fui para o Benfica Castelo Branco. Fiz os dois anos de júnior e depois ingressei nos seniores até sair para Guimarães.

AFCB: Sentes que, por teres feito a formação e iniciado a carreira sénior num distrito do interior, tinhas menos visibilidade a nível nacional?

JA: Considero que isso é um preconceito que as pessoas do interior criam. Por já termos essa ideia e por ser transmitida, acabamos por ser condicionados e levados a pensar isso. Ok, somos do interior, mas pela minha experiência – joguei Campeonato Nacional em todos os escalões de formação e, como sénior, disputei o CNS -, vamos a outras zonas do país. Se for para acontecer e tivermos valor, os clubes vêm ao interior e começam a seguir-nos. Atualmente, há scouting espalhado por todas as regiões do país e a nossa zona não é exceção. Cheguei a jogar com colegas que eram scoutings de formação do FC Porto ou do SL Benfica.

AFCB: A verdade é que quando chegas à equipa principal do SBCB pegaste de estaca e chegaste mesmo a capitão de equipa. Esperavas essa ascensão?

JA: Temos sempre as melhores expectativas. A questão do capitão, na altura, era um pouco por longevidade no clube e, como me fui mantendo, era o que tinha mais tempo de casa seguido. No ano em que fomos campeões da III Divisão, havia jogadores com mais anos de Benfica Castelo Branco, mas não eram seguidos. Lembro-me que, a primeira vez que fui capitão, foi um prémio do Presidente, por ter subido de júnior a sénior e ter feito praticamente a época toda a jogar – havia muitos lesionados e aproveitei as oportunidades.

As duas primeiras épocas de sénior comecei a central e, a meio da temporada, fui para lateral, porque havia muitos lesionados. Na formação, fui quase sempre lateral até ao escalão de júnior. Na fase final dividia entre lateral e central e, nos primeiros dois anos de sénior, também foi assim. É também uma questão de rendimento. Era novo, estava bem, tinha uma ambição e uma vontade muito grande e, claro, ajuda para a motivação.

AFCB: Em 2013/2014, o SBCB faz uma grande temporada e vai disputar, com o V. Guimarães B, o acesso à II Liga. Tu, na altura, eras capitão do SBCB e, apesar da derrota, na época seguinte és contratado pelo V. Guimarães. Como é que surgiu essa mudança?

JA: Esse play-off, para mim, teve toda a influência. Até podia estar referenciado, mas como disse anteriormente, é uma questão de oportunidade. Somos do interior e duvido que o V. Guimarães me tivesse visto em mais algum jogo, além daqueles dois. Na primeira mão do play-off, a equipa esteve muito bem e podíamos ter ganho o jogo, não era um escândalo. No segundo jogo, em Guimarães, já um pouco diferente. O ambiente é mais fervoroso e mais difícil para quem visita. No apoio, a cidade de Guimarães e os adeptos são diferenciados.

A mudança dá-se com grande influência desses dois jogos. A equipa esteve bem e o individual acabou por destacar-se e tive a sorte de ter estado bem e despertar a atenção. Estava referenciado para mais dois clubes da I Liga, mas o Vit. Guimarães chegou-se à frente e, tendo em conta as realidades, o Vit. Guimarães foi uma escolha acertada, mesmo a nível pessoal. Foi muito bom.

A nível de infraestruturas e dimensão é, naturalmente, muito diferente. Nos primeiros tempos lá, dei uma entrevista e disse que só uma das bancadas atrás das balizas do Estádio D. Afonso Henriques enchia o Estádio Vale do Romeiro. Só aqui vê-se a diferença de dimensão e adeptos. As pessoas de Guimarães vão muito ao futebol e enchem o Estádio e, portanto, é uma diferença muito grande.

Do nível competitivo, dos jogadores e da Liga, também é uma diferença algo grande. Na altura, também decidi ir para Guimarães por ter equipa B. Via isso como uma mais-valia, porque vinha de duas divisões abaixo e a adaptação podia ser mais demorada e ter a equipa na II Liga era importante mim, caso as coisas não funcionassem na equipa principal. Felizmente aconteceram de forma rápida. Sou grato por isso e por ter trabalhado para estar à altura do desafio.

AFCB: Na altura tinhas 24 anos, no futebol já é alguma idade para dar o “salto”. Sentias mesmo ia acontecer e logo para a I Liga?

JA: Sentia que era possível, mas tinha a noção que era difícil. Era um salto realmente grande e, o mais lógico e natural, era ter ido para a II Liga, mas na altura, na minha cabeça estava a ideia de me tornar profissional. É preciso muito trabalho e também estar no sítio e na hora certa e ter bons desempenhos para abrir portas mais além.

AFCB: Como foi a experiência em Guimarães? Tiveste épocas com muita utilização, passaste pela equipa B e até foste emprestado…

JA: Quando cheguei a Guimarães comecei os trabalhos logo com a equipa principal e, na segunda jornada, na primeira parte, o Moreno lesionou-se e entrei. Ganhámos o jogo e o mister Rui Vitória decidiu dar continuidade e a sequência de resultados foi boa, o que me permitiu ganhar um fôlego e uma confiança diferente, que se prolongou até me lesionar no início da segunda volta. Foi o momento mais complicado em Guimarães. Não recuperei bem e demorei muito tempo.

No segundo ano, começo a época um pouco condicionado, mas a treinar e a jogar. Em termos de resultados, não estava a correr bem e houve troca de treinador – saiu o Armando Evangelista e entrou o Sérgio Conceição. Tive um período em que era muito utilizado, até quase ao final da primeira volta, quando fui expulso no encontro frente ao Estoril. No jogo seguinte, em casa diante o SL Benfica, o meu colega esteve bem e passei algum tempo sem jogar. Nesta altura é quando vou fazer as primeiras partidas à equipa B. O Sérgio Conceição tinha esse procedimento – quem não jogava, para manter o ritmo de jogo, ia à equipa B. Estava num momento em que a confiança estava mais em baixo e ter ido à equipa B foi ótimo, porque consegui soltar-me e readquirir confiança e terminar a época a jogar e bem.

Na temporada seguinte, com a entrada de Pedro Martins, fiz a pré-época toda com o Vit. Guimarães, inclusivamente a três primeiras jornadas. Não joguei, o mister disse que não contava comigo, também tinha contratado um central com quem já tinha trabalhado no Rio Ave e foi, neste contexto, que o Estoril apareceu no último dia de mercado. Decidi que era a melhor opção e acabei por fazer todos os encontros desde que cheguei – só falhei uma partida na Taça de Portugal e outra por castigo.

A época correu bastante bem, a direção do Vitória pediu-me para iniciar a pré-época seguinte, mas só fiz uma semana. Apareceu o Córdoba, da II Liga Espanhola, era uma boa oportunidade de ir para fora e, como Espanha era aqui ao lado, tinha um idioma fácil de entender e a gastronomia também era semelhante, por isso decidi aceitar. Ia para a II Liga, mas ia ter muitos jogos e, para mim, era uma oportunidade que achei que devia agarrar e assim foi. Só estive lá na primeira metade da temporada, mas fiz quase todas as partidas. Em termos coletivos não correu muito bem, mas individualmente e em minutos, foi ótimo. Se voltar a surgir a oportunidade de ir para fora, irei analisar e, se for nas mesmas circunstâncias, sou capaz de me aventurar novamente. Em janeiro, o Vit. Guimarães pediu o meu regresso, devido a lesões, e regressei. No primeiro jogo, desde o retorno, faço golo ao Paços de Ferreira e fiz mais dois encontros. Depois tivemos um descalabro em Braga, o que não pode acontecer, o treinador foi despedido, entrou o mister José Peseiro e acabei por jogar menos.

Nessa temporada, apesar da menor utilização, mantive-me, fui incluído no lote de capitães e entro no meu último ano de contrato, com o mister Luís Castro, e também joguei pouco. Comecei no banco, as lesões e castigos permitiram-me jogar, fiz três ou quatro jogos, mas uma derrota em Portimão levou o mister a alterar as coisas. Estava em final de contrato e, no futebol, às vezes isso também conta. Tinha ativos mais novos e que tinham investido e acabei por ter pouco espaço – fiz perto de seis encontros, com um golo e uma assistência. E acaba assim a minha ligação ao Vitória Guimarães.