Joel Rocha é o convidado do mês de janeiro da Rúbrica “No Interior do Jogo”. Natural da Covilhã, o atual treinador Futsal Sporting Braga deu os primeiros passos como técnico na ACD Carapalha, em 2004, contando ainda com passagens, no distrito, pela AD Estação e pela AD Fundão, em que conquistou uma Taça de Portugal e atingiu uma final do Play-Off do Campeonato Nacional.

Esteve sete épocas na liderança do SL Benfica, tendo enriquecido o palmarés com todos os troféus nacionais, antes de chegar ao Sporting Braga, onde permanece há cerca de três anos e meio, e já garantiu uma Taça de Portugal e uma Supertaça – os primeiros títulos do clube minhoto no Futsal.

A AFCB esteve à conversa com Joel Rocha, ficando a conhecer melhor a ligação ao Desporto desde tenra idade, os passos dados no início da carreira e como a busca pelo conhecimento o fez estar preparado para todos os desafios.

AFCB: Como foi a infância? Como surgiu a ligação ao Futsal?

JR: Antes da ligação ao Futsal, começou por surgir uma ligação ao Desporto. Aliás, quando tinha a idade de Infantil, o meu primeiro contacto com o Desporto foi através da Associação Desportiva da Estação, na cidade da Covilhã, onde fui praticante de Futebol, com cerca de 11 anos. Nesse ano, o meu treinador era o professor José Luís Mendes, que vivia bem perto dos meus pais e, nos sábados, era ele que me ia buscar a casa para irmos para o jogo.

Portanto, esta foi a minha primeira ligação com o Desporto. Estive na AD Estação até ao escalão de Júnior, sempre a praticar, umas vezes a jogar mais, outras vezes a jogar menos. Na Associação Desportiva da Estação tive a possibilidade de conhecer, além do professor José Luís Mendes, o meu segundo treinador, na altura, quando passei a Iniciado, foi o professor João Paulo Matos, que certamente toda a gente na cidade e no distrito conhece bem. Tive a felicidade de, nos meus primeiros três/quatro anos de atividade desportiva, ter dois craques, como pessoas e também como professores e pedagogos, muito mais do que na altura eram treinadores.

Em 2000, entro em Castelo Branco, no curso de Educação Física, na Escola Superior de Educação e aí foi quando terminei e desliguei-me da prática regular de atividade física, neste caso, ligado ao Futebol. Nunca mais voltei a praticar, nem Futebol, nem outra modalidade. Nunca pratiquei outra atividade desportiva federada ou associativa, a não ser obviamente com os amigos.

AFCB: Quando iniciaste o percurso académico, já tinhas no horizonte ser treinador de Futsal?

JR: Não. Entre 2000 e 2004, faço a Licenciatura em Professor de Ensino Básico, na vertente Educação Física e, durante esses quatro anos, assim como hoje, gosto de ter o tempo bem preenchido com utilidade. Apesar de ser aluno e ter as minhas cadeiras e as minhas disciplinas para fazer, fiz formação complementar na Associação de Futebol de Castelo Branco. Concluo, primeiro, o Curso de Treinador de Futebol, de grau I, e, logo a seguir, o Curso de Treinador de Futsal, de grau I, sem nunca ter praticado, sem nunca ter um contacto minimamente identificado com a modalidade, mas simplesmente por procurar conhecimento para um dia mais tarde poder aplicar. E, após esses dois Cursos de Treinador, fiz ainda grau II de Futebol, e também grau II de Futsal, na Associação de Futebol Castelo Branco.

Nunca pensei, imaginei ou quis ser treinador. Se, em 2000, quando entrei em Castelo Branco, perguntassem-me o que é que queria ser, respondia que queria ser professor. Porquê? Porque gosto de ensinar. Porque gosto de partilhar. Gosto de ajudar os outros, gosto de liderar, gosto de falar, gosto de juntar, gosto de me envolver nisso. As coisas foram acontecendo e fomos/fui colhendo aquilo que fui semeando e cultivando, de uma forma muito natural, sem essa ambição ou expectativa de quero ser treinador de uma equipa Sénior… Não, nada disso. As coisas aconteceram por consequência da minha dedicação, da minha organização, da minha autodisciplina, do meu envolvimento, do meu comprometimento com aquilo que faço, porque se é para fazer, é para fazer bem feito, e hoje melhor que ontem, amanhã melhor que hoje, e as coisas foram acontecendo de forma natural. As oportunidades foram surgindo, até ao dia de hoje, e, à medida que vão correndo bem, obviamente que a resposta da preparação fica dada com a validação da prática.

AFCB: A tua primeira experiência no Futsal ocorre em 2003/2004, na equipa de Juvenis da ACD Carapalha. Como surgiu esta oportunidade?

JR: No ano 2003-2004, o último de Licenciatura, tínhamos apenas duas cadeiras. Mais uma vez, tempo livre era uma coisa que não me agradava e procurei, junto dos professores, alguma coisa na cidade que me pudesse ocupar e preencher, sentindo-me útil para começar, imaginava eu, a partilhar aquilo que tinha estado e estava a adquirir de conhecimento. É assim que surge, na época de 2003-2004, o convite da Associação Cultural e Desportiva da Carapalha, através do falecido presidente, José Pina, juntamente com o professor Rechena. O clube participou, nessa época, no Campeonato Distrital de Juvenis, com uma equipa de Futsal Masculino e convidaram-me para ser o treinador.

Foi um ano, obviamente, desafiante e em que começa a sobressair um dos meus traços de personalidade: o primeiro, e reconheço só agora, aparece quando ainda estava na AD Estação. Apesar de ir crescendo na idade, não fui crescendo no tamanho, nem na puberdade. Tive um salto pubertário muito tarde. Ou seja, na altura, todos os meus colegas de equipa e de balneário já eram homens ou quase homens e eu, junto deles, era uma autêntica criança e um bebé. E fui deixando de jogar. Ainda assim, nunca deixei de treinar. Fui sempre treinar, a chover, com o sol, com o vento, com o frio, e um dos meus traços de personalidade, que na altura também já tinha obviamente vindo da educação de casa, era a resiliência, a persistência e o compromisso. Se aceitaste o compromisso no início, não é agora porque não estás a jogar, que deixas a meio. Em 2003-2004, começa a surgir outro traço de caráter – relacionado com a questão da organização, de ser alguém muito organizado, muito metódico, que gosta das coisas muito pensadas, com a sua lógica e com os seus porquês, e também, se é para fazer, é para fazer bem feito. Assim aparece muito daquilo que é a minha dedicação. Era uma equipa de Juvenis, treinávamos duas vezes por semana, só que se pudesse treinar mais dois minutos, não treinava menos um. Se pudesse treinar mais cinco, não treinava menos três.

Esse ano, do ponto de vista desportivo, as coisas nem correram mal. Recordo-me que ficámos a meio da tabela e, na altura, já queria e gostava de ter um canto organizado, um fora organizado, umas jogadas combinadas. Já preparava os planos de treino e as sessões de treino, chegava ao pavilhão para trabalhar com os miúdos e já levava as ideias no papel.

AFCB: És natural da Covilhã, fizeste o teu percurso académico e desportivo aqui no distrito, entre Castelo Branco e a Covilhã. Sentiste, de alguma forma, que por estares numa zona do Interior, que era mais complicado chegar ao topo?

JR: A única coisa que me preocupava era fazer melhor amanhã do que fiz hoje, independentemente daquilo que dará ou trará como consequência. Repito: se é para fazer, é para fazer bem feito. Esse é um dos meus valores - hoje melhor que ontem e amanhã melhor que hoje, sem pensar, ambicionar, desejar ou imaginar ou ter a expectativa de algo. Jamais. Simplesmente continuar a enriquecer-me do ponto de vista do conhecimento, já na altura assim o fazia, sem pensar em porquês e se isso me traria oportunidades ou novos convites. Sempre tive uma preocupação em preparar-me e fundamentar-me muito bem, do ponto de vista do conhecimento e da investigação científica, para a oportunidade quando surgir, estar preparado para ela. Não me preparo para a oportunidade após ela surgir. Até porque, sou o autor moral da expressão: “interioridade não é sinónimo de inferioridade”. Utilizei esta expressão quando a AD Fundão ganhou a Taça de Portugal e fomos Vice-Campeões Nacionais. Tenho isso bem presente. Assim como, na altura, utilizei outra expressão agregada a esta: “foram momentos inesquecíveis, mas que ninguém diga que serão irrepetíveis”. Portanto, isso é de alguém que tem a consciência do que pensa, do que faz, do que propõe, do que vai acontecendo, sendo ambicioso, mas é uma ambição controlada e equilibrada, de acordo com aquilo que está a acontecer.

O facto de ser natural da Covilhã, de ter feito o meu percurso académico, quer em Castelo Branco, quer na Universidade da Beira Interior (UBI), não é nem impeditivo, nem especulativo, nem facilitador de nada. Aquilo que facilita ou que impede a progressão numa carreira, numa área desportiva, seja ela qual for, não é a localidade de nascimento, não é a localidade de origem da empresa ou do clube, é sim aquilo que fazemos, de acordo com a tarefa que nos é proposta e o empenho que damos, o rigor, a disciplina, a qualidade, a competência e a responsabilidade. Isso é que nos vai levar e aproximar de outras oportunidades, porque interioridade não é sinónimo de inferioridade.

Sou exemplo disso mesmo. Sou filho único, os meus pais têm a quarta classe, construíram a casa por eles e cultivaram e continuam a ter a sua quinta, são eles que cultivam as batatas e as cebolas, tiveram animais de estimação, ajudei a fazer muitas vezes a sementeira e a vindima e as colheitas das frutas. Quando era para fazer um trabalho, se me enganasse na última linha, não punha o corretor, começava do início. Isso vem de alguém que é perfecionista, do ponto de vista metódico. É algo que vem da educação, vem de berço, vem de há muito tempo e continua a ser assim hoje, desde a preparação de um treino, de um jogo, de uma análise, de uma entrevista, de uma formação que sou convidado para dar. Tudo tem de estar devidamente preparado, fundamentado e, acima de tudo, também tem de ser útil para alguém.

AFCB: Entrando agora nos teus passos como treinador. Já falaste da tua experiência na ACD Carapalha e, na temporada seguinte, ingressas na AD Estação…

JR: Em 2004/2005, entrei na AD Estação como um dos Coordenadores do Futebol Formação, juntamente com o João Sá Pinho, e como treinador dos Infantis Futebol 7.  Com o decorrer da época, tive de assumir a equipa de Juvenis. Também dei suporte nos Juniores, primeiro como segundo adjunto, depois como adjunto e terminei a temporada já como treinador principal dos Juniores. Isto parece um bocado caricato, só que na altura, as pessoas, à medida que a época foi decorrendo, foram reconhecendo também capacidades e competências. Por mais que não quisesse acumular cargos, passava mais tempo nos campos da Covilhã que em casa. Durante essa época, 2004-2005, o professor João Paulo Matos, que era Coordenador Técnico da Associação de Futebol de Castelo Branco, ali em meados de novembro, convida-me para trabalhar com o José Luís Mendes nas Seleções Distritais de Futsal. Fui apanhado de surpresa. Estava ligado ao Futebol e estavam a convidar-me para as Seleções Distritais de Futsal?! Apesar de ter vontade de aceitar, tinha de falar primeiro com o Vítor Rebordão, Presidente da AD Estação, na altura. Entretanto, entrei em contacto com o Vítor Rebordão, que disse que não havia qualquer problema, desde que não interferisse com as dinâmicas do clube e das equipas da AD Estação. Então, em 2004/2005, fiquei com a Coordenação da AD Estação, do escalão de Infantis e, mais tarde, Juvenis e Juniores, e, durante meia época, creio que de janeiro a abril, também estava nas Seleções Distritais de Futsal Sub-17 e Sub-19, com o mister José Luís Mendes.

AFCB: Em 2005/2006, entras na AD Fundão, assumindo equipas de formação – Juniores e Juvenis – e como treinador-adjunto. Como apareceu este convite?

JR: Quando acaba a época 2004-2005, o mister José Luís Mendes convida-me para trabalhar com ele na AD Fundão, como treinador-adjunto dos Seniores e principal dos Juniores. Admiti logo que gostava muito, que queria trabalhar com quem continua a enriquecer-me, com quem consigo aprender e desafia-me. Na altura, contudo, já tinha contrato de trabalho com a AD Estação – o que era um privilégio – e tinha de resolver as coisas com o clube e com o Presidente. Fizeram tudo para me manter na AD Estação, mas precisava de algo mais desafiante. E qual era o objetivo? Subir a equipa de Futsal à I Divisão. Fico, então, como treinador-adjunto dos Seniores e principal dos Juniores. Em 2005/2006, a equipa Sénior sobe à I Divisão, onde ainda se mantém atualmente – há cerca de 19 temporadas consecutivas - e, no escalão de Juniores, o clube sagra-se Campeão Distrital pela primeira vez na história.

Tudo isto está muito relacionado com as oportunidades, que a preparação que foi feita, o enquadramento, o envolvimento das outras pessoas para comigo, foi-me permitindo estar apto, diria assim, a responder a qualquer tipo de exigência, de solicitação e de dificuldade, com total propriedade, sem medo nenhum, com total coragem e sem qualquer tipo de receio. Entretanto, permaneço quatro temporadas na AD Fundão, sempre como treinador-adjunto da equipa Sénior, juntamente com o professor José Luís Mendes e, nesse período, treinei a equipa de Juniores durante dois anos e, o restante tempo, orientei o conjunto Sénior Feminino e os Juvenis.

AFCB: Em 2009/2010, voltas à AD Estação e assumes o Futsal Feminino. O que te fez voltar?

JR: No fim desses quatro anos, tive uma conversa, infelizmente, que não queria ter tido com o Presidente da AD Fundão, na altura, o Dr. Angeja, em que lhe disse que havia uma irregularidade com os meus subsídios, digamos assim – os meus rendimentos eram apenas e somente das AECs – e, caso consiga regularizar a situação, podia contar comigo. Caso contrário, teria de procurar outro enquadramento, porque já estava há cerca de três anos sem receber. Neste contexto, deixo a AD Fundão em 2009-10, regresso à AD Estação, novamente com a Coordenação da Formação, juntamente com o João Sá Pinho, e treino a equipa Sénior Feminina. É nesse ano que, mais uma vez, a minha procura pelo conhecimento e a oportunidade, levam-me a fazer o Mestrado de Educação Física, na UBI.

AFCB: Assumes a equipa sénior da AD Fundão, em 2010-11, permanecendo durante quatro temporadas. Pela forma como saíste, como foi o regresso e qual era a realidade do clube na altura?

JR: No final dessa época, o Orlando Duarte deixa a Seleção Nacional, o Jorge Braz assume, convida o José Luís Mendes para treinador-adjunto e a AD Fundão fica sem treinador. A primeira pessoa que me liga, passadas umas horas, é o Nuno Couto, que na altura já era capitão de equipa. Liga-me e diz: “Joel, o Zé Luís vai para a FPF e queremos que sejas tu o treinador”. Entretanto, depois do Couto, liga-me outro jogador que na altura era capitão, o Bruno Pereira. Após estas duas chamadas, liga-me o Dr. Angeja, Presidente da AD Fundão. Recordei que tinha saído do clube há um ano e pelas razões que todos sabem – apesar de termos saído todos a bem - e, ao dia de hoje, a situação mantinha-se. Não posso dizer nem que sim, nem que não. Os jogadores e o Presidente insistiram muito na minha contratação e chegámos então a uma plataforma de entendimento. Entro em contacto com o Vítor Rebordão, Presidente da AD Estação, para informar outra vez da minha saída para a AD Fundão.

Entretanto, em 2009/2010, o Joel Rocha vai para a AD Fundão como treinador principal da equipa Sénior. Reza a história que, em quatro anos e não olhando só aqui às questões da classificação, acabo por conquistar o respeito das pessoas, dos jogadores, dos dirigentes, dos colaboradores, dos funcionários, da cidade, dos adeptos, dos sócios e dos simpatizantes. Apenas e somente por trabalho, dedicação e compromisso. Não por outra razão qualquer. E porque obviamente os resultados foram acompanhando todo este processo. Durante quatro anos, as nossas prestações e os resultados foram sempre sendo melhores. Fomos uma equipa cada vez mais ambiciosa e realmente fizemos umas coisas engraçadas. Fomos começando a dar magnitude ao projeto da AD Fundão, a dar cada vez maior visibilidade e a promover os jogadores e, nessa sequência, o treinador acaba também por, digamos assim, ir nessa onda, sem nunca imaginar o que poderia vir no futuro.

Aliás, na altura, dizia que para treinar o Sporting CP ou o SL Benfica, os únicos grandes na época, era preciso o fator C de cunha e não de competência. E não é que, curiosamente, sou contactado e convidado pelo fator competência, porque não conhecia ninguém, não falava com ninguém em especial e as minhas relações e ligações eram todas no distrito. Ao fim de quatro anos na AD Fundão, ganhamos a Taça de Portugal, em maio de 2014, e nesse mesmo ano, conseguimos atingir a final do Play-Off Campeonato Nacional, em que nos sagramos Vice-Campeões Nacionais.