António Ribeiro Cristóvão é o convidado do mês de julho da Rúbrica “No Interior do Jogo”. Nascido em Proença-a-Nova, há 86 anos, cedo emigrou para Angola, onde deu os primeiros passos na Rádio.
Um dos nomes mais conceituados do Jornalismo Nacional Desportivo, fundou o mítico programa “Bola Branca”, na Rádio Renascença. Colaborou ainda com a RTP e a SIC, ligação que ainda mantêm atualmente. Com uma extensa carreira jornalística, fez a cobertura de diversos encontros internacionais, Campeonatos da Europa e Campeonatos do Mundo.
Já recebeu várias condecorações nacionais e distritais, como a Medalha de Mérito Desportivo e o Prémio Jornalismo “Cândido Oliveira”. A Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) também já o reconheceu com o Prémio Prestígio.
Nesta segunda parte da conversa com a AFCB, Ribeiro Cristóvão conta histórias vividas durante a carreira jornalística, a relação de proximidade com os jogadores, a experiência em televisão e deixa ainda uma mensagem aos mais novos.
AFCB: No contexto de Europeu e Mundial, existe alguma proximidade com os jogadores?
RC: Havia, já não há, mas havia nesse tempo. Tínhamos uma proximidade muito grande entre os jogadores, os dirigentes e os jornalistas, porque éramos poucos, quando íamos para um Campeonato da Europa ou um Campeonato do Mundo, éramos meia dúzia, às vezes nem chegava à meia dúzia de jornalistas, e havia um compromisso solene que todos assumíamos - aquilo que ouvíamos da boca dos jogadores ou dos dirigentes, mas que era dito com a recomendação de que não era publicável, era respeitado a 100% por todos. E a verdade é que viajávamos sempre com os jogadores. Lembro-me de termos ido de Marselha para Nantes, do sul de França até ao norte, nesse Campeonato da Europa que disputámos em França, e íamos com os jogadores em perfeita confraternização, e às vezes ouvindo conversas intransmissíveis, porque respeitávamos o compromisso que tínhamos com toda a gente. Atualmente, as coisas alteraram-se profundamente e essa relação já não é a mesma. Os jogadores já não ficam nos mesmos hotéis, já não há essa proximidade. Existe uma desconfiança, de parte a parte, e nada é igual. Lembro-me que a primeira vez que fui ao estrangeiro, foi a Moscovo, em 1977, jogava o SL Benfica com o Torpedo de Moscovo e éramos cinco ou seis jornalistas que íamos acompanhar. Foi a primeira vez que fui ao estrangeiro e nunca tinha ido a Moscovo, e depois houve um jogo terrível que o Benfica empatou (1-1), houve necessidade de ir à marca da grande penalidade e recordo-me que o Bento foi a figura de maior destaque, guarda-redes do SL Benfica, porque marcou um penálti e defendeu outro. Foi assim que registei a minha primeira participação no estrangeiro em competições europeias, mas estive muitas vezes com o Sporting CP, com o SL Benfica, com o Boavista FC e com o Vitória SC em competições internacionais.
AFCB: Em tantos anos no mundo desportivo, seguramente deve ter histórias engraçadas ou curiosas … Quer ou pode partilhar alguma connosco?
RC: Tenho muitas histórias, lembro-me de momentos que vivemos todos e que ficaram, de facto, para memória futura. Recordo-me do célebre Campeonato do Mundo, em Saltillo, no México, onde as coisas não correram nada bem, ficámos num motel, com a equipa portuguesa, com todos os jogadores, mas aí houve uma grande dissidência entre os jogadores e a Direção da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), porque os jogadores, inclusivamente, nos treinos, atuavam com a camisola vestida ao contrário, como forma de se proclamarem contra a FPF e tivemos momentos de grande debate, de grande discussão e nem sempre com o meu acordo. Nessa altura, nem sempre estive de acordo com as reivindicações dos jogadores e tive inclusivamente alguns momentos em que, nas minhas transmissões para a Rádio Renascença, era um bocado desagradável para eles, de tal forma, que a partir daí, com alguns, construí uma recordação e uma relação menos agradável. Atualmente está tudo ultrapassado, mas tive também momentos interessantes, em que perdíamos os autocarros. Uma vez, o SL Benfica foi jogar a Roma, com a grande AS Roma dessa altura, e ganhou a eliminatória, com golos do Filipovic e fiquei no estádio para mandar a reportagem final e, a certa altura, fiquei fechado no estádio. Quando dei por mim, estava fechado e não havia ninguém que me abrisse a porta e socorri-me de um jornalista d’ A Bola, que era muito meu amigo, de quem gostava muito e que estava comigo, o Cruz dos Santos, que já estava no hotel. Ele conseguiu arranjar alguém para me abrir as portas, mas estive durante várias horas fechado, sem a mínima comunicação fosse com quem fosse, porque a AS Roma, como tinha sido eliminada pelo SL Benfica, decidiram fechar tudo, todas as portas, foram-se embora e não se preocuparam que alguém ainda estivesse lá dentro na sala de imprensa. Há, naturalmente, outras histórias que vivi, ao longo dos tempos, com outros companheiros meus e guardo recordações e memórias que ficaram para a vida e que vou manter até ao fim.

AFCB: Trabalhou também na RTP e, atualmente, colabora com a SIC. A mudança para a televisão foi difícil?
RC: Bem, naqueles tempos era tudo possível e uma das coisas que aconteceu foi o José Eduardo Muniz, que tinha sido Diretor de Informação da RTP, com o Adriano Cerqueira, vieram para a Rádio Renascença fazer a informação da manhã, faziam todos os noticiários da manhã na Rádio Renascença e criámos ali uma boa relação. O José Eduardo Muniz viu como trabalhava e, uns tempos mais tarde, quando voltou para a RTP, convidou-me para ir para a RTP, mas quando me convidou foi com a intenção de ir definitivamente e deixar a Rádio Renascença. Disse-lhes abertamente que teria muito gosto de experimentar fazer televisão – algo que nunca tinha feito -, mas que não deixava a Rádio Renascença, porque tinha uma dívida de gratidão, da qual não abdicaria nunca e da qual nunca me desligaria. Acabei por ir como colaborador para a RTP e foi, com esse estatuto, que me mantive 12 anos na RTP. Poucos dias depois de ter entrado, de ter feito algumas experiências perante as câmaras de televisão, comecei a fazer um programa chamado “Troféu”, que passava aos sábados e durava das 14:00 às 18:00. Era muito cansativo, com uma folha enorme, mas consegui adaptar-me e a verdade é que, ao fim de quatro programas, o José Eduardo Muniz passou-me para o Domingo Desportivo, que era o único programa desportivo de televisão.
Foi assim que entrei para o “Domingo Desportivo” e estive durante muito tempo. Mais tarde, voltei para o programa “Troféu”, fiz outros programas de desporto na RTP, até que um dia as coisas não correram bem com um Diretor, que entretanto tinha entrado para o comando, e desliguei-me da televisão outra vez. Pouco tempo depois de sair da RTP, fui convidado pela SIC. Curiosamente, o António José Teixeira, que até há pouco tempo era Diretor da RTP, era Diretor de Informação da SIC, convidou-me para participar em programas desportivos. Aceitei e mantenho-me na SIC quase há 18 anos. Tem sido uma ligação também profunda e muito prolongada, mas não me esqueço da RTP, que me abriu a porta da televisão, a quem devo realmente essa faculdade, e à qual estou muito grato.
AFCB: Virando a conversa para a realidade do distrito. O Ribeiro Cristóvão faz algum acompanhamento do Futebol Distrital?
RC: Faço um acompanhamento. Procuro saber os resultados e os jogos, como é que correm … Estou particularmente atento àquilo que se passa com o Clube da minha terra, a ADC Proença-a-Nova. Já teve melhores períodos nos Distritais de Futebol, mas têm tido uma participação quase constante. Informo-me através do jornal da minha terra, sobretudo, e dos jornais de Castelo Branco também - tenho tomado conhecimento da forma como as coisas correm no distrito de Castelo Branco. Acompanhei também o Futsal no Fundão, que foi uma potência do Futsal Nacional durante bastante tempo. E, portanto, interessa-me sempre. Tudo aquilo que diga respeito ao distrito de Castelo Branco e a Proença-a-Nova interessa-me sempre muito e mantenho sempre essa ligação.
AFCB: Como olha para o Futebol no Distrito? E a nível Nacional?
RC: O Futebol Distrital é o parente pobre do Futebol Português. Aliás, estou a olhar aqui para um quadro que tenho à minha frente, com um Prémio Prestígio, atribuído pela Associação de Futebol de Castelo Branco e pelo meu amigo Candeias, o Presidente Candeias, ainda não há muito tempo. Portanto, às vezes, há quem se lembre de mim e reconheça que, apesar de tudo, ainda fiz alguma coisa. Considero que o Futebol Distrital é, claramente e indiscutivelmente, o parente pobre do Futebol Português. Temos, às vezes, uma equipa de Trás-os-Montes na Primeira Divisão, como é o caso do GD Chaves, da Beira Alta não temos ninguém e da Beira Baixa não temos ninguém - tínhamos Sporting da Covilhã, que desceu para a Liga 3. Do Alentejo não temos ninguém na Primeira Divisão, do Algarve, às vezes, temos, outras vezes, não temos. Portanto, o Futebol do Interior é realmente muito esquecido. Quando se passa da faixa litoral, e a faixa litoral às vezes vai até Guimarães, o Futebol de grande dimensão em Portugal não tem protagonismo. E tratamos o Futebol da Segunda Divisão e abaixo, como se não existisse. Até a nível da informação. E, portanto, o nosso Futebol é isto. Enquanto nos outros países, temos, por exemplo, o Futebol na Primeira Divisão espalhado pelo país todo, como Espanha, França e Inglaterra, em Portugal temos este cenário. É, de facto, junto à linha, junto à beira-mar e pouco para além disso. O nosso Futebol secundário tem sido, ao longo dos tempos, maltratado. Não sei se vai continuar a ser maltratado ou se vai passar a ser melhor tratado. Temos uma nova Direção na Federação Portuguesa de Futebol e, ao que parece, o Presidente Pedro Proença tem outros objetivos e delineia outras perspectivas, mas não sei se as coisas se vão alterar.
AFCB: Os jornalistas/comentadores, tal como os jogadores, treinadores e dirigentes, estão muito expostos e, como tal, muitas vezes são criticados. Como lida com isso? E que conselhos deixa para os mais novos nesse aspeto?
RC: Lido muito bem com isso. Lido muito bem com a crítica, assim como também não me desvaneço com as coisas boas que dizem de mim e também dizem com alguma frequência. Mas não me desvaneço com as críticas. Toda a gente sabe que tenho um Clube, que é da minha preferência. É o Clube de quando era menino e, portanto, ao qual mantenho-me ligado. Só que fiz sempre a questão de deixar a minha preferência clubista à porta dos locais para onde ia trabalhar, tanto da rádio, como da televisão. E acho que consegui sempre isso. Às vezes até merecia algumas críticas pela forma como me referia ao Clube que é reconhecidamente e conhecidamente da minha preferência. Agora, o que deixo como recomendação aos mais jovens, e creio que há muita gente jovem a trabalhar também no jornalismo, é que primeiro procurem trabalhar com seriedade. A seriedade é o ponto de partida mais importante para que se obtenha uma carreira de sucesso. Sempre sério, não ser excêntrico, nem ser, propositadamente, propagandista, que é um fator fundamental para se caminhar para outro jornalismo. Agora, reconheço que no Interior também é mais difícil. Temos muitos jornais no Interior, que têm inclusivamente departamentos de Desporto, mas os mais conhecidos têm sido sempre e até aqui aqueles que trabalham em jornais, em televisões e em rádios, junto à beira-mar – Lisboa e Porto sobretudo, e depois também, em alguns outros sítios, mas muito pouco já, em Coimbra, Guimarães, Braga.
AFCB: Já recebeu várias condecorações e louvores. Algum mais especial?
RC: Sim, tenho uma que é especial para mim, a Medalha de Mérito Desportivo, que me foi concedida pelo Governo Português, presidido então por Cavaco Silva. Tenho um Prémio de Jornalismo, atribuído também com o nome de Cândido Oliveira, atribuído nessa altura pela instância maior do jornalismo português, e tenho outras distinções que me foram feitas, inclusive a nível distrital, da Câmara Municipal da Almada, que guardo religiosamente na minha sala e completamente à vista. São um tributo que deixo para os meus filhos e para os meus netos, particularmente para os meus netos, tenho sete, mas praticamente todos se interessam também pelas coisas de Desporto. Não ao nível de pretenderem ser jornalistas, mas de pretenderem ser seguidores.

AFCB: Já referiu anteriormente que é público a sua preferência clubística, algo pouco comum atualmente. Considera que deve haver uma desmistificação do tema? Nunca sentiu que esse conhecimento foi um entrave no contexto profissional?
RC: Acho que sim, tem de ser desmistificado. Nunca foi um entrave. Toda a gente sabia qual era o Clube da minha simpatia. Nunca foi um entrave, porque procurei trabalhar sempre, e acho que trabalhei sempre, com seriedade e com honestidade em todos os sítios onde estive. E, de facto, creio que essa é a característica que saltou muitas vezes à vista e nunca foi um obstáculo para nada. Na altura em que comecei, não havia rádios de clubes, não havia televisões, não havia nada pertencente aos clubes, a não ser pequenos folhetins dos clubes mais importantes – Sporting CP, FC Porto e do SL Benfica. O jornalismo desportivo era feito por elementos que estavam nos jornais, nas rádios e depois também nas televisões. Portanto, não havia ligação aos Clubes. Hoje já é um pouco assim. Hoje já é um pouco desmistificada. Não tenho nenhum rebuço em dizer que sou sócio do Sporting CP. Sou o sócio 493, há mais de 70 anos. Nunca misturei a minha qualidade de sócio com o lado profissional. Claro que fico satisfeito quando ganha, mas não fico desesperado quando perde e reconheço também o mérito e o valor dos adversários. Aliás, devo dizer que alguns dos momentos mais marcantes da minha carreira foram vividos, sobretudo, com o Futebol Clube do Porto nas competições europeias, em que participou e nas quais estive sempre presente e em que teve grande sucesso. Acho que não deve haver essa marca profunda que, na altura, era, digamos que, irresistível para os jornalistas não a divulgarem. Conheci jornalistas de grande nome, que sabia de que clube é que eram, mas que nunca diziam, nunca faziam sentir, de nenhum modo, qual era o clube da sua simpatia. Eu decidi seguir outro caminho e acho que, no fundo, acabei por ter razão. Estava satisfeito com aquilo que fazia e hoje continuo satisfeito com aquilo que fiz.
AFCB: Com 86 anos, Ribeiro Cristóvão é um dos nomes mais conceituados do jornalismo desportivo nacional e continua bastante ativo na área. Não pensa numa reforma total?
RC: Sinceramente, não. Enquanto Deus me der forças, vou continuar. Enquanto me mantiver com saúde e Deus me ajudar, vou continuar. Porque, quando entender e sentir que realmente a minha atividade deve terminar, terminarei. Não tenho nenhuma dúvida em o fazer. Mas, por enquanto, sinto-me com forças. Sinto-me com capacidade para acompanhar tudo aquilo que acontece no mundo do Desporto. E, enquanto isso acontecer, e as entidades para as quais manifesto a minha colaboração, tanto a Rádio Renascença, como a SIC, entenderem que a minha colaboração, que é razoável e aceitável, manter-me-ei disponível. Agora, quando entender também que as coisas terão chegado ao fim, não tirei nenhuma dúvida, embora, certamente, com pena nessa altura, de o assumir e me desligar e me dedicar só à minha vida familiar.
AFCB: Que mensagem é que pode deixar aos jovens do Distrito de Castelo Branco que queiram ingressar também neste mundo do Futebol, seja em que função for?
RC: A melhor mensagem que posso deixar para os mais jovens é que se entenderem que estão sinalizados para fazer qualquer coisa na área desportiva, que não desistam. E que, embora, muitas vezes, lhes pareça que não tenham as oportunidades que outros tiveram, como foi o meu caso, por exemplo, que não desistam, que persistam sempre, porque um dia pode ser que a luz ilumine um outro caminho e as coisas possam ser diferentes. Claro que agora as coisas não estão fáceis, a concorrência é muito grande, os meios são cada vez menores, mas creio que as coisas poderão vir a melhorar no futuro. Portanto, aos jovens, recomendo muita persistência, mas, sobretudo, também muita seriedade, no trabalho que venham a fazer e em todas as áreas. Acredito que, daqui a alguns tempos, as coisas possam ser diferentes daquilo que é hoje.