Mário Freitas é o convidado de março da Rúbrica “No Interior do Jogo”. Apesar de não ter nascido no distrito de Castelo Branco - natural de Mogadouro, em Bragança -, foi no Fundão que encontrou a sua casa desportiva e onde está há várias temporadas.

Capitão da Associação Desportiva do Fundão, está ligado ao Clube há 12 épocas não consecutivas e é uma referência no Futsal Distrital e Nacional.

Além do conjunto fundanense e do CA Mogadouro, o Futsalista representou o Sporting CP e o SL Benfica, sendo Internacional português, por 34 ocasiões, tendo conquistado a Finalíssima pela Equipa das Quinas.

Nesta segunda parte da conversa com a AFCB, Mário Freitas fala da experiência no SL Benfica, as emoções de representar a Seleção Nacional e o regresso à AD Fundão, quando tinha outras propostas para prosseguir a carreira.

AFCB: Em 2015/2016, assinas pelo SL Benfica. Como aconteceu este negócio e como foi a adaptação à nova realidade? Acredito que a adaptação já tenha sido mais fácil…

MF: Sim, já tinha outra bagagem, tinha o meu nome consolidado na Liga, já era Internacional Português, mas fundamental neste processo foi o Joel Rocha. Tinha sido meu treinador na AD Fundão, estava no SL Benfica e quis-me levar com ele. Mais uma vez, houve várias abordagens, quer do estrangeiro, quer de outras equipas cá em Portugal, e optei por ir para o SL Benfica - muito também porque ele tinha sido o meu treinador. Obviamente que o choque não foi tão grande como a mudança do Mogadouro para o Sporting CP, mas há sempre impacto pela grandeza e responsabilidade que é representar o SL Benfica. A qualidade dos intervenientes também aumenta, ou seja, a dificuldade em jogar, consequentemente, aumenta. Tive o azar de me lesionar logo e andei a correr um bocadinho atrás, a apanhar o comboio, mas foram épocas boas, em que obviamente não joguei como queria. Fui jogando, mas foram mais duas temporadas de aprendizagem, em que conquistei títulos - duas Taças de Portugal e duas Supertaças. Tive a possibilidade de jogar novamente duas Ligas dos Campeões, em que alcançámos um 3º lugar e disputei uma Taça Intercontinental.

Queria ter sido peça-chave nessas épocas do SL Benfica, mas joguei e foram etapas importantes também no meu crescimento, de aprendizagem, para atualmente olhar para trás e ver que foi mais uma etapa importante naquilo que é o meu percurso e na minha história no Futsal.

AFCB: Após essas duas temporadas, voltas, em 2017/2018, para a AD Fundão, onde permaneces até então. O que te fez voltar? Acredito que não te faltassem convites…

MF: Sim, tive muitos convites, não só de Portugal, mas também de outras ligas importantes, como a espanhola e a italiana. Como falei, não tinham sido épocas em que tinha sido 100% feliz e precisava de regressar a um sítio onde, desde o primeiro momento, sabia que iria ter essa confiança e iria ser acolhido como um filho que regressa a casa. E, se na altura o Bruno Travassos, treinador, e a Direção, achavam que o Clube precisava de mim, acho que eu precisava mais do Clube do que o contrário. Juntou-se ali as duas vontades, que eram ambas grandes. Foi o que sempre quis, porque queria regressar ao Clube e à cidade. Sentia e acreditava - e ainda acredito - no projeto e o facto é que ainda estou aqui hoje. Ao longo do meu percurso, fui sempre recusando propostas, até financeiramente melhores e de ligas também importantes, porque estou em casa, porque sinto-me bem, porque acredito no Clube, porque estou num histórico do Futsal Português e sinto-me bem, sinto-me feliz. Não se trata de comodismo. Trata-se de estar bem, de estar feliz e acreditar que posso acrescentar coisas ao Clube.

AFCB: Tirando os dois anos no SL Benfica, já são 12 temporadas nos fundanenses e já és capitão de equipa. Sentes o peso da responsabilidade? Que tipo de capitão és?

MF: Não, peso não. Sinto, acima de tudo, um orgulho e um privilégio poder ser capitão da Desportiva do Fundão. Acima de tudo, isso. Um orgulho muito grande ser um pouco “a imagem e a cara do Clube”. Sou um capitão que, mais do que aquele que dá as duras, dou o exemplo. Tento levar os colegas atrás de mim, seja no trabalho diário, seja no exemplo daquilo que temos de fazer para ser melhor todos os dias. Converso muito com os meus colegas, tento passar a mensagem do que é e o que significa representar este Clube, do que representa para o Futsal Nacional e para a responsabilidade e a ambição que temos de ter aqui. Temos de procurar todos os dias sermos melhores individualmente, para assim sermos melhores enquanto grupo e equipa. Acho que sou, acima de tudo, capitão que, pelo exemplo e por aquilo que faço, tento contagiar os meus colegas.

AFCB: Já falámos das tuas experiências desportivas nos Clubes, vamos agora focar-nos na Seleção Nacional. Quando é que surgiu a primeira chamada à seleção nacional e como é a experiência de representar o nosso país?

MF: A minha primeira chamada deu-se em setembro de 2014. Primeiro jogo a 16 de setembro de 2014, frente à Croácia, em São João da Madeira. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que vi que fui convocado. Recebi uma mensagem no telefone de um número que não tinha, daquele que hoje é o capitão da Seleção Nacional, o João Matos, que tinha sido meu colega no Sporting CP. Tinha um contacto dele, mas não tinha este número. Então recebi uma mensagem a dizer: «Parabéns miúdo, até domingo». Não estava a perceber muito bem porquê daquela mensagem. Tinha acabado de fazer 24 anos. Recordo-me que estava a ir para um almoço, com o David Moura, que se lembra: «será que foste convocado para a Seleção?». Fui, muito nervoso, abrir o site da FPF e vejo lá o meu nome. Foi uma emoção enorme. Liguei logo para os meus pais e para a minha namorada, que é hoje a minha esposa.

Foi uma experiência incrível, que é difícil traduzir para palavras, essa emoção em ver a primeira vez o nosso nome. Já tinha estado em estágios, mas um jogo é um jogo, e como falámos há bocado, os miúdos, atualmente, não têm a noção, porque agora há Seleções Nacionais desde os Sub-13. Não sabem a sorte que têm. Na minha altura, para ser Internacional, não havia escalões de Sub-19 ou Sub-21. Lembro-me a primeira vez que vi lá o meu nome, o primeiro hino…. É difícil expressar por palavras o que representa. É lágrimas nos olhos, é arrepio. Costumo dizer, ainda hoje, quando sou convocado, é sempre como se fosse a primeira vez, porque é realmente uma emoção. Olhando para trás, quando comecei a jogar, um dos meus objetivos, como qualquer um que pratique um desporto, é chegar a uma Seleção Nacional. E estamos a falar de 14 jogadores em centenas, numa das melhores Seleções do mundo. Alcançar aqueles 14 melhores é mesmo difícil de expressar por palavras, é um orgulho e um privilégio enorme.

AFCB: E conquistar a Finalíssima?

MF: Conquistar a Finalíssima, ter um título pela Seleção, é algo que ficará para sempre. Não tive a possibilidade de jogar nenhum Europeu e Mundial. Tive nos pré-convocados em alguns, estive sempre ali à porta, mas nunca aconteceu. O Mundial 2022 foi, talvez, aquele que tive mais perto, porque fui eleito o melhor jogador português do nosso campeonato. Na altura, ter sido chamado para a Finalíssima, se calhar para muitos não representa o que é um Mundial ou um Europeu, mas é um título pela Seleção, numa competição em que estão as duas melhores Seleções da Europa e as duas melhores da América do Sul. Poder conquistar esse troféu, é algo marcante e que tem um significado enorme para mim.

AFCB: Que objetivos e metas é que ainda tens para atingir no futsal?

MF: Acredito que ainda tenho muitos. O sonho e o objetivo é voltar a estar numa final com a AD Fundão. Sabemos das dificuldades, mas ambiciono e sonho com isso. Enquanto jogar, enquanto estiver cá, a Seleção Nacional vai ser sempre um objetivo. Sabendo das dificuldades, com o aumentar da idade, com novas gerações a aparecer, mas trabalho todos os dias também com esse foco. Para continuar a ser fundamental na AD Fundão e, como consequência disso, tenho sempre o objetivo de voltar à Seleção Nacional.

AFCB: Como é que olhas para o futuro? Tens algum limite de idade até quando queres jogar?

MF: A verdade é que não penso muito nisso. Se estivéssemos a falar com o Mário com 15 ou 20 anos, se calhar olhava e dizia, sei lá, aos 38 anos, acabo. Mas a verdade é que olhando para como me sinto fisicamente, não estipulo limite. Enquanto me sentir bem e me sentir capaz, enquanto o corpo deixar, vou estar aqui. A verdade é que, a maneira como me preparo e os cuidados que tenho, estão a permitir-me que assim seja. Não estipulo uma idade. Quero estar aqui, quero estar muitos e bons anos, enquanto conseguir ser importante.

AFCB: Que cuidados é que um jogador de alta competição deve ter para prolongar o máximo possível a sua carreira e também para recuperar o melhor de jogo para jogo?

MF: Acho que há coisas que são fundamentais, cuidados que tenho, e que acredito, com a informação e partilha atuais, cada vez os miúdos começam a ter esses cuidados mais cedo. Estamos a falar no que é a alimentação, o descanso - um jogador não vai ter o mesmo rendimento, não vai ter a mesma recuperação, se deitar-se às 02 da manhã ou às 23 horas. No dia seguinte, a recuperação não é igual. É importante que eles tenham a noção disso e que tenham cada vez mais cedo, pois é a preparação. Além dos treinos que fazemos na equipa, tenho o cuidado de fazer um trabalho extra, que acho que me pode ajudar a ser melhor jogador. Atualmente, o Futsal é um jogo mais físico, tenho essa preocupação de ter também um trabalho extra na parte física e acho que é importante os miúdos terem a consciência, cada vez mais cedo, que se queremos chegar lá em cima, temos de ter esses cuidados.

AFCB: Como é que olhas para o Futsal no distrito?

MF: Não estou assim tão dentro do assunto, mas olho com as dificuldades inerentes ou normais de um distrito do Interior. Óbvio que isso nos traz algumas dificuldades, poderíamos estar a falar de várias, como a captação de atletas, mas acho que mais do que nos focarmos nas dificuldades, devemos olhar para as qualidades e para as coisas boas que fazemos. E se olharmos para o nosso Futsal, a quantidade de equipas que há nos Campeonato Nacionais, se não é o distrito do Interior com mais equipas nos Nacionais, deve estar lá perto. Se calhar andamos a fazer coisas positivas. Óbvio que era importante também na formação acompanharmos esse crescimento. Olho com orgulho e fiquei muito feliz do passo que a AD Fundão deu. Esta troca de jogadores entre clubes do distrito, que estão a disputar competições Nacionais na formação, é muito importante e acho que essa abertura tem de ser feita. Não olharmos só para o nosso, mas haver esta entreajuda entre todos, porque se não for assim, acho que vamos ter mais dificuldades no futuro. É importantíssimo esta abertura que houve e que assim continue. Como disse, mais do que olharmos para as dificuldades, é focar também para as coisas boas que têm sido feitas e haver esta partilha entre todos, é fundamental.

AFCB: Na tua opinião, quais são as características - físicas e mentais – para que um jovem chegue ao topo do Futsal?

MF: Acho que, atualmente, com o evoluir do jogo, essas características, quer físicas, quer mentais, são ainda mais importantes do que há uns anos. Acredito que um jogador com menos qualidade técnica, mas que tenha capacidades físicas e mentais fortes, pode chegar ao topo mais facilmente do que um jogador só com talento, só com bola no pé. Há uns anos, acredito que seria um pouco o contrário, mas atualmente, com o evoluir do jogo, acredito que assim seja. Obviamente, uma capacidade física, um trabalho físico, ser mais forte, mais explosivo, procurar termos essa evolução, é fundamental. Em termos mentais, é crucial a resiliência, a capacidade de não desistir ao primeiro abalo no jogo, ao primeiro erro, não ficarmos a lamentarmos, mas ver que há mais além do erro. Um jogo são 40 minutos e resume-se muito mais do que um erro que possamos ter feito. Temos de ter aquele equilíbrio quando as coisas nos correm muito bem e quando estão a sair muito mal. Não sermos exagerados no sucesso, mas também não nos deixarmos ir abaixo nas dificuldades. É fundamental encontrarmos aqui um equilíbrio - a resiliência e não desistir são fundamentais.

AFCB: Que mensagem gostavas de deixar para os jovens do distrito que, como tu anteriormente, sonham ser jogadores ou treinadores?

MF: Desfrutem do treino, do jogo e da modalidade que praticam. Atualmente, com 35 anos, ainda tenho um prazer enorme em ir treinar e quero ser melhor todos os dias. Temos de querer, no dia-a-dia, ser um bocadinho melhor e não só dentro de campo – como atletas e pessoas. Quando é para ir ao treino, é para treinar e dar tudo e não ir apenas ao treino. É diferente. Temos dias em que as coisas não correm tão bem, mas mesmo nesses dias, podemos aprender e crescer. Atualmente não treino todos os dias bem – há treinos e jogos que as coisas não saem como queremos -, mas temos sempre de querer melhorar e manter o foco.

É preciso muita resiliência e não desistir. Se temos um sonho, temos de fazer por ele. Se queremos chegar ao topo, é preciso abdicar de muita coisa e fazer sacrifícios – como ir a festas com os amigos ou ir a jantares. Temos de fazer acontecer e não esperar que as coias nos caiam do céu, porque por muito talento que possamos ter, isso não é suficiente. Têm, também, de saber ouvir. É fundamental. Se o nosso treinador está a falar connosco, é porque quer o nosso bem e, se nos corrige, é porque quer que sejamos melhor e acredita em nós. O mesmo com os colegas de equipa mais velho. Aprender, saber ouvir e que lutem pelos sonhos. Interioridade não é inferioridade. Se eu e outros lá chegámos, é possível. Acreditem e façam acontecer.