Bruno Travassos nasceu em Coimbra, mas o lado académico trouxe-o até ao nosso distrito, por onde acabou por permanecer, tornando-se numa das principais figuras do Futsal Distrital e Nacional.
Com uma forte ligação à Universidade da Beira Interior (UBI), deu sempre prioridade aos estudos, conciliando a prática desportiva com a teoria e a investigação. É doutorado pela Faculdade de Motricidade Humana, em Futsal, sendo atualmente, entre outras coisas, Fisiologista da Seleção Nacional Futsal Masculino.
Tirou igualmente o Curso de Treinador, Nível I e II, tendo já orientado o GD Mata, Académica Coimbra, UD Cariense, Casa Benfica Penamacor, as Seleções Distritais da Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) e a AD Fundão.
Nesta segunda parte da conversa com a AFCB, Bruno Travassos aborda o papel do Fisiologista numa equipa técnica, deixando igualmente o seu olhar para o Futsal Distrital e um desafio.
AFCB: Em 2011/12, ingressas na AD Fundão, como treinador-adjunto. Como foi o processo de transição?
BT: Já tinha um relacionamento com o treinador principal, o Joel Rocha, eles estavam a necessitar de colocar mais alguém na equipa técnica e foi uma época muito exigente e de muita aprendizagem. O que importa realçar é que trabalhar numa II ou III Divisão é muito diferente de trabalhar no principal escalão. O Futsal é o Futsal, mas o nível e a exigência do jogo, o número de horas que passamos a trabalhar é diferente e, como tal, isso leva a que as exigências sejam completamente distintas. Foi mais um ano de muita aprendizagem, de muita discussão saudável e uma mais-valia para o meu crescimento, fruto do contacto com o Joel Rocha e o Dário Gaspar, em que fortalecemos a nossa relação e permitiu dar um passo em frente.
AFCB: Nesse período também acumulas funções nas Seleções Distritais de Futsal da AFCB. De que maneira esta experiência enriqueceu o teu percurso no Futsal?
BT: As Seleções são sempre um espaço muito enriquecedor, por dois motivos. Primeiro pelo contacto com os miúdos do Distrito e pela oportunidade que temos de os influenciar pela positiva e também aos seus treinadores. Por outro lado, o contacto nos Torneios Interassociações com outras realidades e outros Distritos, o contacto com os Selecionadores distritais e com a equipa técnica nacional é de uma enorme riqueza e partilha. Acabamos por, de forma formal e informal, ter um espaço de grande partilha entre todos, o que nos permite abrir um pouco os horizontes naquilo que fazemos.
AFCB: Após uma época como adjunto, assumes o comando técnico da AD Fundão, em que permaneces quatro temporadas. Fala-nos deste período…
BT: Enquanto treinador, foram os melhores e mais desafiantes anos que tive até então. Acabámos por entrar num contexto de alteração de treinador e mudanças após a conquista da Taça de Portugal. Não entro logo no início da temporada, mas a meio, e a ideia desde o início foi potenciar o grupo e criar algum contexto positivo para voltarmos a estar nos momentos de decisão. São equipas em que existem muitas dificuldades, porque precisamos sempre de mais coisas, mais recursos, há sempre lesões, pouco tempo e muitas viagens, mas são anos de muitos desafios e quando somos desafiados, acabamos sempre por crescer.
O que retiro de bonito desta história é que, nos três anos, chegámos sempre às fases finais da Taça de Portugal e da Taça da Liga e, numa das épocas, atingimos as meias-finais do Campeonato. Penso que foram anos de crescimento também da AD Fundão, em que consolidou a sua imagem enquanto clube de I Divisão e acreditamos que também ajudámos nesse processo, tal como a AD Fundão me ajudou a crescer enquanto treinador e pessoa, tendo uma perspetiva do Desporto de Alto Rendimento.
AFCB: Em 2019/2020, entras para a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), como Fisiologista. Para quem não sabe, explica-nos quais as funções de um Fisiologista numa equipa técnica…
BT: A FPF criou, há algum tempo, a Unidade de Saúde e Performance, em que existe a parte médica, de performance e de monitorização da atividade dos jogadores. No Futebol já era prática corrente existir a figura do Fisiologista em cada uma das Seleções e, a partir de 2019 foi igualmente criada a figura para o Futsal. Fui, então, convidado para integrar a equipa técnica, enquanto Fisiologista.
A nossa preocupação é com o jogador e com a sua prontidão desportiva. Podemos definir em duas funções: monitorização da carga de treino e criar um relatório para o treinador - para perceber se aquilo que pretendia realizar vai ao encontro dos seus objetivos, em termos de carga de treino, e ao mesmo tempo, se os jogadores estão a responder da mesma forma aos estímulos que são colocados. Por outro lado, a parte do treino individual e da capacidade de aumentar a predisposição dos jogadores para o desempenho. Neste caso, na Seleção Nacional, como não estamos muito tempo com eles, o que procuramos fazer é ter um contacto muito direto com os clubes, procurar perceber quais são os planos individuais que esses jogadores têm e procurar operacionalizá-los face ao nosso programa de treinos, de modo que mantenham as rotinas nos clubes, não sintam uma grande diferença e que conseguíamos que, quando regressam aos clubes, mantenham o nível de prontidão anteriormente.
AFCB: Continuas ligado à FPF e já participaste nas maiores provas da modalidade – Mundial, Europeus… Como são vividas essas experiências?
BT: São vividas com muita adrenalina, mas também com muita preparação, trabalho e com grande expectativa. Sabemos que, para além de ser um jogo, representa muitas pessoas, mesmo aquelas que não estão lá. Isso, para nós, tem um significado importante. Nos clubes, só temos de nos preocupar em ganhar e, no dia a seguir, sabemos que há pessoas que vão ficar contentes e outras não. Na Seleção Nacional, temos outra perspetiva e outra dimensão. Representamos todos os que estão à nossa volta. Quer sejam as pessoas que acompanham mais o Desporto, as que não vêm nada e as que nem sabem bem o que é o Futsal, mas conhecem e sabem que temos alguma identidade com a modalidade e acabam por assistir. Isso acaba por dar aquele sentimento de que os estamos a representar. Estas competições trazem muito disso – são muito exigentes, em que estamos muito tempo fora da família e temos muita preparação. São momentos muito bons, mas muito difíceis ao mesmo tempo, que nos obriga a ter uma gestão – além do treino e do jogo -, das nossas próprias expectativas e formas de estar individuais, que são uma grande aprendizagem sobre o que é estar numa equipa e como devemos fazer face aos momentos de adversidade e de euforia, mas que temos sempre de moderá-los.
AFCB: No Futsal Nacional, da FPF, temos o Treinador José Luís Mendes, os Enfermeiros António Fonseca e Frederico Esteves e agora também o Bruno Travassos. Todos com ligação à Covilhã. Isso representa a qualidade do trabalho realizado na UBI e na Covilhã?
BT: Sim, acredito que sim. Temos treinadores e também enfermeiros nas Seleções Nacionais. Acredito que vamos criando como que uma escola de intervenção neste âmbito, como um contexto social que se vai criando e, felizmente, com diferentes funções, temos conseguido aportar diferentes pessoas para estes lugares. Creio que está muito relacionado com este contexto social e de prática desportiva e do Futsal, que foi criado há muitos anos na UBI e na região. Se recuarmos, vemos que há muito mais pessoas com ligação à UBI e à prática do Futsal no distrito que estão noutras posições – como na FPF ou na FADU ou mesmo no Governo. Isto surge muito da dinâmica que foi criada e faz-me acreditar que não é apenas o jogo, mas a forma como as pessoas se relacionam e vão criando contexto para que as modalidades se desenvolvam, ajudam a que haja este desenvolvimento desportivo e que atinjam os lugares mais altos. Mas o mais importante é o desenvolvimento desportivo que isso pode alavancar.
AFCB: Lidas com os melhores jogadores de Futsal do país. Quais as principais características que lhes destacas, desportiva e profissionalmente?
BT: São os melhores do mundo, não tenho a mínima dúvida. Um dos aspetos mais importantes é o trabalho. Sabem todos que têm de trabalhar muito para ser melhores diariamente. Não se acomodam, querem sempre mais e estão sempre disponíveis para ouvir e melhorar. Outro ponto importante é a resiliência. São pessoas que, mesmo quando têm dificuldades, são muito resilientes e convivem com a dor. Alguém que quer ser desportista de alto rendimento tem de saber conviver com a dor. E, acima de tudo, são pessoas que sabem viver em grupo e respeitam-se mutuamente, entendendo que, para lá dos objetivos individuais, há uma equipa para respeitar. Isto é característica de todos – o seu sucesso depende do sucesso da equipa.
AFCB: Quais são os planos para o futuro? Pretendes voltar a assumir o comando técnico de uma equipa?
BT: Neste momento, não penso muito nisso. O meu futuro, atualmente, é fazer a qualificação para o Campeonato do Mundo com a Seleção Nacional, continuar a ajudar a formar os treinadores nacionais nos Cursos, contribuir para a implementação do Diploma Fitness Coach que está a surgir agora, numa ligação com a UEFA, e depois logo se vê. Se gosto de treinar e se gostava de voltar a orientar uma equipa? Porque não? Sim, gostava, mas sinto-me muito realizado com as funções que tenho. Temos de encontrar um equilíbrio entre os nossos desafios profissionais e os desafios familiares. Neste momento, tenho o melhor dos dois mundos, porque consigo conciliar a minha vida profissional na UBI com a vida desportiva na FPF e tentar dar o melhor de mim à família entre estas tarefas.
AFCB: Estando dentro do contexto Nacional e Internacional, mas também Distrital, como avalias e olhas para o Futsal no distrito?
BT: Temos de ter mais jovens a praticar Futsal. Temos de ter mais treinadores a ajudar os jovens a evoluir e ter massa crítica. Temos de crescer. Considero que existe muita qualidade, a questão é que essa qualidade, para se revelar, tem de ser colocada em contextos que lhes permita mostrar esse potencial. Posso ter um potencial muito grande, mas se não tiver onde o desenvolver, nunca vou passar disso. É isso que, neste momento, sinto no Distrito. Temos cada vez melhores equipas e treinadores – são poucos ainda, precisamos de mais gente qualificada -, e é preciso que os clubes ofereçam condições aos treinadores para desempenhar a sua função. Considero que o Futsal Distrital, atualmente, precisa de um desafio, que poderá ser colocar mais equipas nos Campeonatos Nacionais. Somos dos Distritos, entre o número de equipas existentes e o número de clubes que disputa provas nacionais em Seniores, com um dos rácios mais elevados. Mas não o temos na formação e penso que é aí que temos de aumentar a base e permitir que os jovens consigam ser bons no nosso distrito, mas também serem catapultados para outras formações e ajudar as equipas do Distrito que estão na II Divisão a manterem-se, porque acredito que, para isso acontecer, necessitam de jogadores da região e mais alguns de fora. Neste momento temos uma equipa no Campeonato Nacional de Juniores e precisamos de ter, pelo menos, uma equipa em cada escalão até aos Iniciados. Esse é o desafio que gostava de deixar.
AFCB: Que mensagem gostavas de deixar aos jovens do distrito que querem seguir o mundo do futebol – seja como jogador ou treinador?
BT: Procurem ser felizes a fazer aquilo que gostam. Se não gostam de Futsal, pratiquem outro desporto, mas não fiquem em casa sem fazer nada. Se gostam muito de Futsal, mas não têm grande jeito para jogar, por que não tentar ser árbitro? Se não têm jeito para ser árbitro, por que não estar ligado a um clube desportivo e ajudar na parte da Comunicação e da Organização dos jogos? Ou então ser treinador, há cursos que abrem todos os anos ou podem ir para um curso superior em desporto, por que não tentar? Existem muitas outras funções. Como digo aos meus alunos na UBI – “não queiram todos ser treinadores” -, há muitas outras funções para desempenhar no Futsal. O Desporto é um mundo muito interessante, que dá muitas oportunidades às pessoas e, sobretudo, possibilidade das pessoas se relacionarem e desenvolverem individualmente. Seja numa ou noutra função, procurem que o Desporto vos ajude a serem felizes.