António Fonseca é natural do Tortosendo, Covilhã, e é Enfermeiro na Federação Portuguesa de Futebol (FPF) há mais de 20 anos. A opção pela vertente da saúde surgiu por influência do pai e não se arrepende da escolha.
Foi Gestor da Enfermarias de Cirurgia e Ortopedia Homem do Hospital da Covilhã, durante 34 anos, e atualmente, a dois anos da reforma, está no Serviço de Imunoterapia.
Quando era mais novo, jogou Futebol, Futsal e Ténis de Mesa, modalidades que considera ter alguma aptidão, mas nunca foi federado. Ingressou em 2003 na FPF, quando já contava com diversas experiências no tratamento desportivo - Sporting Covilhã, por duas vezes, Grupo Desportivo Teixosense, Associação Desportiva da Estação e Associação de Futebol de Castelo Branco.
Passou por diversos escalões no Futebol de Formação da FPF e acompanha a Seleção Nacional de Futsal há vários anos. Cruzou-se com muitos jogadores e treinadores, com quem mantêm amizade, e já participou em sete Europeus e, em setembro, irá participar no quinto Campeonato do Mundo, no Uzbequistão.
Nesta segunda parte da conversa, António Fonseca explica todo o processo médico na FPF e as diferenças no tratamento de atletas de alta competição para os cuidados normais.
AFCB: Como foi o contacto com atletas de alta competição? Os cuidados mudam em relação a uma pessoa “normal”?
AF: O tratamento e a pressão no contexto de atletas de alta competição é que, haja ou não lesão, o treinador tem de saber quando está disponível para jogar e para treinar. A pressão é essa. Temos de avaliar e temos as pessoas mais capacitadas para o efeito. É necessário avaliar a lesão, como se confirma a mesma e temos ainda todo um contexto de, na hora, atendermos um cenário de traumatologia, a imobilização de um atleta, caso seja necessário, no treino. De seguida, é preciso perceber se pode ou não fazer carga e, no Hotel, temos também de fazer novo diagnostico, onde temos um role de recursos materiais ao nosso dispor para atendermos essa lesão. No final, é a corrida contra o tempo. No final do dia, na reunião após o jantar, que o staff tem todos os dias, o médico revela as lesões ocorridas no treino e a perspetiva de regressar à prática desportiva.
AFCB: Quais os cuidados que um atleta de alta competição deve ter durante a sua carreira? E de que maneira um enfermeiro pode ajudar um jogador a atingir o seu potencial máximo?
AF: Os atletas que encontrei durante estes anos são pessoas formadas na área da Educação Física, da Engenharia, da Advocacia, licenciados em várias especialidades. O que significa que, em literacia em saúde, já têm algum know-how para perceber a nossa mensagem. Estamos a lidar com jogadores de alta competição, já com conhecimentos dos Clubes e confrontam-nos com essa informação. Nós atualizamos o estado e sabemos o que o atleta tem de fazer - que é uma boa alimentação e hidratação, um bom descanso e uma boa prática desportiva na prevenção de lesões e tudo isso é um role de atividades que o atleta sabe como deve proceder. Temos, inclusivamente, jogadores que, num contexto de hotel, fazem trabalho específico no corredor, com planos individuais deles. Portanto, todo o tempo é contabilizado para que tenha ganhos e que responda em conformidade dentro da quadra.
AFCB: Em setembro vais acompanhar a Seleção Nacional no Mundial de Futsal. Quais os cuidados necessários numa competição deste nível? E que preparação fazes antes da prova?
AF: Vamos para um país asiático, o Uzbequistão, que fica quase a tocar na China. Temos de perceber o que temos naquela área, que vamos para lá no mês de setembro, saber qual o pavilhão e o hotel que vamos utilizar. Fazemos uma avaliação de recursos materiais em Portugal, face o número de treinos e jogos, e tenho de perceber, com todos estes anos de experiência, o que é que os jogadores gastam em termos de consumo. Nesse sentido, faço toda a logística de recursos materiais, quer no plano da farmácia, quer no plano do consumo clínico. Avaliamos também toda a área das necessidades dos materiais que o Fisiologista deve ter em mãos e também da Fisioterapia. Normalmente, são logísticas que nos levam entre 12 e 14 volumes em sacos apropriados da FPF, além de todos os restantes. É uma logística que pode ir antes do evento e isso também significa que é necessário dissociar o material a utilizar em agosto, ainda em Portugal, e a necessidade a utilizar durante a prova. Vamos ter no Uzbequistão um Chef, que chega primeiro que nós, e nos recebe já com uma primeira refeição preparada. Isto significa que não temos de estar sujeitos a dietas ou a pratos que são novidades, porque temos um cozinheiro a fazer pratos portugueses. Os jogadores sentem-se em casa e é importante nestes contextos. Antes de lá chegarmos, o Selecionador e o Secretário fazem uma visita para escolher a nossa unidade hoteleira e ver as condições do pavilhão. Quando estamos a viajar, já sabemos o que nos espera no local de destino.
E tudo isto é pensado ainda antes de saber sequer quem são os jogadores convocados. Sabemos que será um grupo de 14 atletas e não pode faltar nada em alta competição. Não imaginam o que é um atleta estar num jogo de uma meia-final, no Uzbequistão, a pedir ao Enfermeiro, antes de ir para o pavilhão, um qualquer tipo de material… Os holofotes viram-se todos para mim e tenho de ter esse material. O jogador pede e tenho de ter.
AFCB: Com que frequência o departamento médico da FPF se reúne? E com quanto tempo de antecedência se começa a preparar uma competição deste nível?
AF: Estou a preparar o Mundial desde maio. A partir do momento em que sabemos as equipas que vamos defrontar e o programa – em Portugal e no Uzbequistão - começa a chegar às nossas mãos, o foco já é a competição. Neste momento, já entreguei na Cidade do Futebol a listagem de materiais necessários para começarem a prepará-lo.
Em termos de reuniões, a USP de Futsal reúne sempre num contexto de Estágio e de ação com jogos. Na FPF, há sempre uma reunião anual, normalmente em julho, em que se apresentam palestras especificas, atividades preparadas pelo grupo residente em Lisboa e onde se distribuem todos os Médicos, Fisioterapeutas e Enfermeiros pelas respetivas Seleções.
AFCB: Olhando para todos estes anos ligados ao Desporto, o que consideras que ganhaste, pessoal e profissionalmente, com esta experiência?
AF: Esta experiência, para mim, é do mais enriquecedor que se possa imaginar. É um privilégio representar o meu país, é um privilégio representar a minha classe perante a Ordem dos Enfermeiros, é um privilégio representar o Hospital da Covilhã, onde trabalho, e é um privilégio ser uma referência para a minha família, para os meus amigos e para quem me conhece. Por tudo isto, sinto-me uma pessoa abençoada, porque desde o início das minhas funções, tive sempre saúde para acompanhar esta equipa e, perante o próximo Mundial e Europeu, são cenários que ainda quero abraçar. E posso já adiantar que, o próximo Mundial e Europeu, poderão ser os meus últimos eventos relacionados com a FPF.
AFCB: Que objetivos ou sonhos ainda tens na área desportiva?
AF: Tinha um sonho que já não é possível concretizar nesta fase, que era ser Enfermeiro UEFA e FIFA, estar ligado a essas estruturas. Neste momento já não posso concretizar, devido à idade e à disponibilidade, mas convido colegas meus a perceber que, para além da FPF, ainda podem sonhar ser profissionais de estruturas como a UEFA e a FIFA. E convido-os a trabalhar nesse sentido, uma vez que é o último patamar que se pode atingir neste contexto.
AFCB: Na tua opinião, que características – físicas e mentais -, deve ter um jovem atualmente para singrar no desporto de alta competição?
AF: Pela minha experiência, tivemos sempre bons jogadores, mentalmente fortes e que pontificaram pela sua qualidade. Numa primeira fase, em que não chegávamos aos títulos, era o detalhe que definia que não chegássemos aos troféus. A partir do momento em que chegámos ao primeiro título, também foi o detalhe que fez a diferença. Com isto percebi que, com as conquistas e com o historial de formação nas Seleções, os jogadores estão habituados a ganhar a adversários que nos ganhavam sempre, como Espanha e Itália, e quando chegam como atletas à Seleção Principal já sabem como ganhar a esses mesmos oponentes. Vemos o Zicky Tê, o Tomás Paço e outros jogadores, que só sabem praticamente ganhar, e não têm “medo” de perder o jogo. A partida só acaba aos 40 minutos. Nos últimos eventos, que vencemos, estivemos a perder por dois e conseguimos sempre virar o resultado, porque estes jogadores e a equipa técnica não dão os encontros como perdidos. É esta família toda do Futsal – selecionadores, jogadores e staff –, na sua união que também se trilha este caminho e resultados. É um privilégio pertencer a essa família.
AFCB: Que mensagem gostavas de deixar aos jovens do distrito que querem seguir o mundo do futsal – seja como jogador ou treinador?
AF: Temos as melhores referências no Futsal. O nosso Selecionador é o melhor do mundo há vários anos. O nosso conterrâneo, José Luís Mendes, atingiu aquilo que todos podem ver nos últimos anos. Temos o Joel Rocha como treinador do Sporting Braga. Da minha parte, já há pessoas no terreno com capacidade para seguir o meu trajeto, como o Enfermeiro Frederico e Gabriel, que já estão na FPF. Portanto acreditem, com as vossas competências e méritos, mas também com muita humildade. Não deixem de ser humildes. Podem e devem chegar lá, porque não é por serem do interior que não chegam lá. É acreditar, investir, trabalhar e ganhar.