Joel Rocha é o convidado do mês de janeiro da Rúbrica “No Interior do Jogo”. Natural da Covilhã, o atual treinador Futsal Sporting Braga deu os primeiros passos como técnico na ACD Carapalha, em 2004, contando ainda com passagens, no distrito, pela AD Estação e pela AD Fundão, em que conquistou uma Taça de Portugal e atingiu uma final do Play-Off do Campeonato Nacional.

Esteve sete épocas na liderança do SL Benfica, tendo enriquecido o palmarés com todos os troféus nacionais, antes de chegar ao Sporting Braga, onde permanece há cerca de três anos e meio, e já garantiu uma Taça de Portugal e uma Supertaça – os primeiros títulos do clube minhoto no Futsal.

Nesta segunda parte da conversa, Joel Rocha aborda os sete anos no SL Benfica, o “casamento perfeito” com o Sporting Braga e o desenvolvimento do Futsal no distrito.

AFCB: Na época 2014-15, inicias o percurso de sete épocas no Benfica, em que conquistaste todos os troféus nacionais. Como foi o processo de transição?

JR: No final do jogo 4, apesar de termos perdido a final, estávamos todos reunidos - plantel, equipa técnica, staff, dirigentes, colaboradores – a conviver de uma época histórica para a AD Fundão. Neste momento, recebo um SMS, assinado pelo Tiago Pinto, assessor do Presidente Luís Filipe Vieira para as modalidades do SL Benfica, a perguntar-me se pode ligar-me e quando, porque queria-me convidar para ser treinador da equipa de Futsal Masculino do SL Benfica. Leio aquela mensagem e, lembro-me perfeitamente como se fosse agora o que aconteceu, chamo a minha namorada da altura, a minha mulher atualmente, e digo assim: “Lê lá esta mensagem. Achas que isso é uma mensagem verdadeira?” E ela, com muita naturalidade, responde que sim. “Achas? Para treinar o SL Benfica? Está tudo maluco aqui” …  E, literalmente, guardei o telemóvel e não toquei, nem falei, mais do assunto. No dia seguinte, domingo, quando chegamos a casa, a primeira coisa que faço é ir à internet e começo a procurar por Tiago Pinto e não me aparecia nada. Mas bem, ainda assim, na segunda-feira, por volta das 14:00, respondo ao SMS e, logo de seguida, o telemóvel começa a vibrar. Atendo a chamada, fazemos as apresentações e o Tiago Pinto pergunta-me se tenho disponibilidade para me sentar com ele para conversarmos um bocado, na Covilhã. Ficou então marcado para terça-feira, às 15:00, no Hotel Pura Lã.

No dia seguinte, à hora combinada, chego ao Hotel e, ao mesmo tempo, também aparece o Tiago Pinto e o Vice-Presidente do SL Benfica, Dr. Domingos Almeida Lima. Sentamo-nos todos e falamos até às 18:00, cerca de três horas. Neste período, houve dois momentos. Entre as 15:00 e as 17:30, em que me apresentaram o projeto SL Benfica, o clube, as pessoas, as dinâmicas e tudo mais, e o restante tempo, fiz perguntas e dei-me a conhecer. No final, eles perguntam-me: “Aceita ser o treinador de Futsal do SL Benfica?”. Do qual, respondi com outra pergunta: “Quem é o topo da pirâmide para tomar as decisões no Futsal do clube?”.  A resposta foi taxativa: “Se aceitar, será o Joel – Então aceito”. A última meia hora foi a falar de contrato. Só que foram apenas três minutos. Eles apresentaram dois anos de contrato, com um x valor. E questiono de imediato: “Vocês fizeram 600 quilómetros, duas horas e meia de conversa, para me oferecerem isso? Não, aquilo que vocês estão a fazer é convidar-me para ir para Lisboa, treinar o SL Benfica. Vocês vão-me retirar família, amigos, escola, porque na altura ainda lecionava na Covilhã e em Castelo Branco, um clube organizado, ao dia de hoje, à minha maneira e perfeitamente identificado, uma final de uma Supertaça, que pode ser mais um troféu, para me oferecerem isso? Vocês estão-me a retirar tudo isso? Não. Lamento, mas não. Solicitaram-me, então, para apresentar uma proposta e, apesar de não ter pensado em nada, dei a minha contraproposta, em que disseram que o valor só poderia ser aceite pelo Presidente, que estava no Brasil. A mesma ia-lhe ser apresentada e, quando houvesse feedback, entravam em contacto. E assim regressaram a Lisboa.

Nessa mesma terça-feira, decorreu o jantar de encerramento da época da AD Fundão, no Hotel Alambique. Quando chego, já toda a gente sabia que o SL Benfica tinha estado reunido comigo e vice-versa, e que me ia embora. Expliquei que tinha estado reunido com duas pessoas do SL Benfica, mas que ainda não havia acordo, nem nada certo. Ainda assim, infelizmente, esse jantar foi um bocado constrangedor, porque houve mais choro do que sorrisos, uma vez que estávamos a quebrar ligações e afetos de quatro anos muito especiais e que ficaram marcados no coração de todos os que ali estiveram, passaram e viveram aquelas épocas. Na quinta-feira, ao final da tarde, o SL Benfica entra em contato comigo e informa-me que as minhas condições foram aceites e, no dia seguinte, tinha de estar no Estádio da Luz, às 09:00, para reunir e, às 15:00, ser apresentado. Nessa altura, ligo aos meus pais, a um amigo meu e, entretanto, a notícia é divulgado pela Rádio Cova da Beira, em primeira mão, porque sempre informei as pessoas do clube sobre o que estava a acontecer. Na sexta-feira, vou para Lisboa chego aos Estádio da Luz às 09h05, tenho uma reunião de trabalho durante toda a manhã, almoço e, às 15:00, fui apresentado.

AFCB: Sentiste muita diferença entre a AD Fundão e o SL Benfica?

JR: A primeira diferença que sinto quando chego ao SL Benfica é a equipa técnica à disposição. Na AD Fundão, na altura, trabalhei sempre com o máximo de duas pessoas - eu, o Dário e o Travassos; eu, o Travassos e o Jota; ou eu, o Dário e o Jota - no máximo éramos três -, juntamente com o enfermeiro Sousa, o Paulo Luís, o roupeiro, o Rui Quelhas, ora como dirigente, ora como Presidente… Portanto, todas as tarefas recaíam nestes dois ou três e pouco ou nada delegava. No SL Benfica, tinha uma equipa técnica multidisciplinar, com diferentes áreas de conhecimento, de competência e de intervenção. E a primeira diferença foi passar a delegar e a não fazer tudo sozinho. Este é um processo de confiar no erro para ir afinando e ajustando aquilo que queremos.

Tirando isso, não houve grandes diferenças. Bola a andar, jogadores a correr, a ter de fazer o que queríamos, o que acreditávamos, o que propúnhamos e nunca tive noção, nem euforia, nem depressão, com a grandeza do clube. Costumo dizer que mudei de cidade e de clube, não mudei de sangue e, como tal, não mudei a minha personalidade, não mudei o meu caráter, não mudei a minha autodisciplina, o meu rigor, isso não muda. Aquilo que se alterou foi a qualidade dos jogadores - essa foi a segunda grande diferença. Na AD Fundão precisava de três meses para algo ter eficácia, no SL Benfica bastavam três dias. Os jogadores tinham uma capacidade, um know-how, um conhecimento muito acima daquilo que estava habituado. E, realmente, isso foi uma surpresa absolutamente agradável e maravilhosa.

O primeiro ano foi, de facto, muito positivo, acabou por ser impactante - conquistámos o Campeonato e a Taça de Portugal – as provas em que o clube estava inserido. Acabo por ter uma boa recetividade por parte de todo o clube, de todos os departamentos, de todas as pessoas - dos sócios e dos adeptos. Até que, no ano seguinte ou dois anos depois, fui nomeado e distinguido Treinador do Ano nos Galardões Cosme Damião - pela primeira vez, um treinador, que não era de Futebol, ganhou esse galardão no clube. É algo que também fica marcado na minha carreira, no meu palmarés, assim como na história do clube. Vivi momentos muito bons no SL Benfica. Aliás, considero que todos os momentos que vivi durante sete anos foram importantes e impactantes. Obviamente que nem sempre ganhámos, mas foram sempre momentos vividos em consciência e com a perfeita noção que deixei o SL Benfica melhor do que aquilo que encontrei, porque isso também era um dos nossos desafios - deixar melhor e mais rico quem comigo e connosco trabalha, depois de nos termos conhecido. Ainda atualmente, procuro-me reinventar e inovar para fazer diferente e melhor.

Foram sete anos com um contributo incrível de muita gente na equipa técnica, que foi sempre crescendo em quantidade e em especificidade. Faltaram, provavelmente, conquistar mais títulos – será sempre relacionado com isso – e, do ponto de vista das competições, ficou por disputar uma final da Liga dos Campeões – o melhor que conseguimos foi um 3º lugar. Ainda assim, acredito que tudo acontece no seu tempo, nada é por acaso, tudo é consequência e raramente alguma coisa é coincidência. Acredito que, se mais e melhor não fizemos, foi porque não conseguimos, foi porque alguém esteve melhor e mais capacitado do que nós e sempre trabalhámos e continuarei a fazê-lo dessa forma íntegra à procura de melhorar toda a gente que connosco trabalha.

AFCB: Acredito que, tantos anos num clube tão grande, tenhas algumas histórias mais engraçadas …

JR: Nestas sete temporadas, claro que há muitas histórias curiosas e engraçadas. A primeira acaba por ser quando estava no clube há cerca de meio ano e sou convidado a renovar contrato. Fico surpreso com a decisão, o Tiago Pinto explica-me as razões e estávamos a cerca de um mês de um derby. Quando é que nos sentámos para renegociar o meu contrato? 24 horas após um duelo com o Sporting CP, em que o SL Benfica ganhou. E quando vamos meter “preto no branco”, nos escritórios da SAD, o Tiago Pinto apresenta-me o valor, os anos de duração, que eram mais duas épocas, e pergunta-me o que é que pensava sobre o assunto. Mostrei disponibilidade para, caso o clube quisesse, para renovar por mais uma ou duas temporadas. E o Tiago Pinto diz-me: “Em toda a história do SL Benfica, nenhum treinador de modalidades renovou por mais de dois anos. Como te consideramos especial, vamos-te dar três anos”. Reforcei que podia colocar os anos que entendesse e o valor foi o que já tínhamos acertado anteriormente. Ele vira a folha ao contrário e diz-me: “É também por isso que tu és especial. Acabaste de ganhar um derby e se me pedisses mais dois mil euros, dava-te esse valor. É também por causa disso que és especial e por isso é que estás a ter esta renovação com este enquadramento, com estes valores e com estes anos”. Estava satisfeito no clube e orgulhoso que as pessoas gostassem de mim, que confiassem em mim e, portanto, podiam contar comigo para o que der e vier. E assim foi. Assinámos, fomos à sala do Presidente, fui ao gabinete vestir o fato e o blazer, subimos, fizemos a peça para a BTV e abri o noticiário com a renovação por mais de três anos.

Houve também momentos mais delicados neste período. Após uma partida no sábado, digo que quero reunir com o Tiago Pinto na segunda-feira, às 09:00. Quando chego à reunião, informo que não queria nem mais um cêntimo e que não queria ser mais treinador do SL Benfica, que queria sair. E ele diz-me assim: “Que jogadores queres mandar embora no fim da época?”. Não percebi e expliquei que não queria mandar os jogadores embora. Queria ir embora naquele preciso momento. Estava farto. E o Tiago Pinto era alguém com quem falava regularmente. Ele insistiu em dar-lhe nomes dos jogadores que não queria na época seguinte. Após alguma insistência, pergunto-lhe: “Não me vais deixar ir embora, pois não?” E ele responde: “Não, isso é um não assunto. Isso é o que eles podem andar a pensar ou a imaginar, mas eles não mandam. Já foi o tempo em que eram os outros a mandar. Agora quem manda sou eu e tu. Somos nós. Portanto não, não te deixo sair”. Nessa época, o SL  Benfica dispensou 11 jogadores do plantel. Renovámos o ciclo. E estava bem claro para os dois que estávamos a renovar o ciclo dos jogadores e que a próxima seria do treinador. Estávamos esclarecidos, voltámos ao trabalho, renovámos, voltámos a ganhar, a ter bons rendimentos, um grande envolvimento de toda a estrutura.

Isto são algumas histórias que vivi. Sou alguém que pode afirmar, na primeira pessoa, que sem ainda ter ganho nada, vi o meu contrato renovado e prolongado e, após ter perdido, vi o meu trabalho confiado. Até que a dada altura, entro no meu último ano de contrato e, em março dessa época, a cerca de quatro meses do término, chego a casa e comento com a minha mulher que no final desta época nem que o SL Benfica queira dobrar o contrato, para mim chegava, tudo tem o seu tempo e era o momento de sair. E assim foi. Quando acabou a época, fiz as despedidas que entendi que tinha de fazer, com quem tinha de fazer, até que chega o dia em que o clube me chama para conversar e comunica-me que o meu contrato tinha terminado e que não iam renovar. E respondi: “Vocês parecem um bocado atrapalhados, quer dizer, se estivesse no vosso lugar, faria exatamente a mesma coisa. Só queria duas coisas: obrigado e, no vosso lugar, fazia exatamente a mesma coisa”. Continuei a respeitar, como sempre respeitei, as pessoas, o clube, a instituição. A vida segue e está tudo bem.

AFCB: Após sete temporadas no Benfica, o que é que te fez abraçar um novo desafio e como é que está a correr esta experiência no Sporting Braga?

JR: Quando terminei o contrato com o SL Benfica e estou literalmente em casa, ficámos em Lisboa e, mais uma vez, tempo disponível é para aproveitar. Iniciei uma loucura, do ponto de vista pessoal e profissional, que foi escrever um livro, ou seja, algo que já tinha começado, mas com a densidade competitiva do alto rendimento, não foi possível desenvolver e concluir. Assim que fico sem treinar e também não fui colocado, foco-me na escrita de um livro, que iria dar origem a uma plataforma de conteúdos em formato digital para partilha de conhecimento, através de módulos ligados ao Futsal e não só - como se fosse uma plataforma de ensino online -, de vários âmbitos, não só ataque, nem defesa, mas outras particularidades.

Só que, entretanto, durante todo este processo que fui escrevendo o livro, fui rejeitando alguns convites, todos eles do estrangeiro e todos eles umas autênticas poupanças reforma, mas nunca tive sequer vontade de me sentar a conversar, a reunir, a dialogar… Em novembro de 2021, três meses após o começo da época, estava há quatro meses sem treinar, liga-me o Marinho, que é o Diretor de Futsal do Sporting Braga, para saber se estava interessado e disponível e a convidar-me para ser treinador do Futsal do Sporting Braga. A primeira conversa teve praticamente uma duração de duas horas, em que fiz centenas de perguntas, para perceber o enquadramento, a realidade, as condições. E fiz perguntas de todo o tipo de género, de enquadramento, desde o treino à preparação, às viagens, aos estágios, tudo.

Após este telefonema, liga-me o Presidente António Salvador e pergunta-me se estava disponível, do qual respondi que poderia haver um entendimento entre todos e disponibilidade. Voltamos a falar no mesmo dia, a meio da tarde. O Presidente volta a ligar-me, por volta das 16:00, e questiona: “Como é, fazemos negócio? Está interessado? Quantos anos de contrato quer?”. E eu fiz questão de explicar-lhe o porquê do número de anos que pedi: “Estamos a meio de uma época. Se me disser meio ano, não sou um treinador que vá à experiência. Se disser ano e meio, dois anos e meio, isso é o normal. Se o Presidente quer mostrar que realmente confia e acredita em mim, três e meio”. E assim foi, porque já tinha falado com o Marinho e o projeto – à semelhança do Futebol Praia e Futebol Feminino – era médio/longo prazo, colocar o Futsal a ganhar títulos e a disputar finais.

De seguida, o António Salvador pergunta-me quanto é que quero receber, mas diz logo que não pode pagar o que o SL Benfica me pagava. E eu retorqui: “Mas já falou com o seu amigo Luís para saber quanto é que o Benfica me pagava? Sei que já falou e, certamente, já sabe. Tudo se sabe, Presidente. Até sei onde é que está, no Hotel X, porque hoje joga com o SL Benfica, no Futebol”. Entretanto, como bom negociador, o Presidente faz-me uma proposta e fechamos negócio. Informou-me ainda que, no dia seguinte, iam duas pessoas ter comigo a Lisboa para assinar contrato. Na segunda-feira, vem o Marinho e o Diretor-Geral das Modalidades, reunimos num café, à entrada Lisboa, para que ninguém me pudesse ver, assino contrato e aqui estou há cerca de três anos e dois meses no clube.

Estamos, atualmente, num casamento totalmente perfeito de todas as partes - clube, equipa, treinador, equipa técnica, adeptos, resultados, finais, conquistas, troféus, títulos. Felizmente as coisas têm tido a consequência para a qual tanto trabalhamos. O clube tem feito um investimento notável, não só do ponto de vista do budget de investimento direto na equipa, mas também nas infraestruturas, nos locais de trabalho, nas condições de trabalho. Temos condições de excelência, do ponto de vista da preparação de uma equipa profissional de Futsal. Sinto-me muito feliz e continuadamente um privilegiado como me sentia há 25 anos, quando comecei a treinar na ACD Carapalha, em que as pessoas acreditaram e confiaram no meu trabalho e dei o meu melhor para enriquecer as pessoas do clube, das instituições e o museu. Estou feliz, grato e honrado por tudo aquilo que tenho partilhado, recebido e alcançado.

AFCB: Como é que olhas para o futuro? Consideras a hipótese de treinar no estrangeiro?

JR: Atualmente, olho para o futuro de uma forma diferente de há uns anos, pelo fator familiar. Olho com saudades, do ponto de vista positivo, e gostava de o continuar a partilhar com a minha mulher e a minha filha. Vamos procurar continuar a fazê-lo juntos, que é isso que temos feito desde 2010 e, há seis anos, com a Maria, que é a nossa filha. Pretendo, sobretudo, usufruir e desfrutar de um dia de cada vez, de um momento de cada vez e, como há 25 anos, sem pensar no que poderá acontecer ou não, sem expectativas, nem ambições descontroladas ou desmedidas. Apenas e somente desfrutar do momento, das paixões que tenho junto da família, num clube, numa cidade, numa região que estou e estamos completamente identificados. Não penso nada mais do que continuar aqui, de corpo e alma, no dia a dia, a partilhar, a contribuir e a receber toda esta empatia e tudo isto que temos vivido, partilhado e sentido.

AFCB: Como é que olhas para o desenvolvimento do Futsal no distrito de Castelo Branco?

JR: Vou ser muito honesto. Não acompanho como quando estava aí. Acompanho, do ponto de vista dos resultados, daquilo que vou vendo pelas redes sociais. Vejo e sinto que as equipas que estão nos Nacionais têm dificuldades, a começar pelo recrutamento, pela formação, ou seja, a capacidade de os clubes da nossa região serem autossuficientes na produção de atletas para as suas equipas Seniores. Isso seria muito importante. Essas pessoas, que vão promover e estimular desenvolvimento, devem, na minha opinião, inclusive ser as primeiras a procurar conhecimento, dentro ou fora, para aplicá-lo, potenciar e recrutar ao máximo o que há internamente e só depois, em caso de necessidade, recrutar fora. Vejo com sacrifício e muito altruísmo ainda o Desporto no Interior e não é só na nossa região.

 Agora, também vejo, e isso é uma evidência, qualidade. O Joel Rocha nasceu na Covilhã, o José Luís Mendes a mesma coisa, o Bruno Travassos não nasceu na Covilhã, mas é um filho da terra, o enfermeiro António Fonseca também é da Covilhã. Se formos ao Futebol, temos igualmente bons exemplos e a única coisa que poderia ter a ousadia de dizer é para expandir a capacidade sem o preconceito do Interior, sem preconceitos nenhuns. É aplicar as ideias, as propostas, é procurar conhecimento, seja dentro ou fora, do ponto de vista nacional ou até internacional, desenvolver quem está aí, sem preconceitos absolutamente nenhuns pela região, pela geografia, pela demografia, pelas temperaturas. Sem desculpas. Porque as mesmas acabam por permitir incapacidades e insucesso. Aquilo que vejo é que o Futsal no distrito tem subsistido, com dificuldade.

É também necessário de atrair fora. Vou dar um exemplo taxativo. Os treinadores e jogadores são responsáveis por colocar 40 pessoas no pavilhão. Essas 40 pessoas têm de gostar daquilo que estão a ver. Se gostarem do que estão a ver - da nossa proposta, da nossa paixão, da nossa atitude, da nossa vontade, não só do resultado, mas porque se identificam com os nossos valores - da próxima vez cada uma vai trazer uma. E já são 80. E quando o jogo for fora de casa, já vão 40. E quando voltarmos a jogar em casa, dos 80 já vamos passar para 160. E isto começou nos treinadores e nos jogadores. E de repente estamos a contagiar a bancada. E quando passarmos de 160 para 320, é provável que nos 320 haja alguém que conheça outro alguém que tem uma empresa, tem um negócio, privado ou público, ou familiar. Já pode haver interesse fazer um patrocínio, uma ajuda. Porque se identifica com o quê? A forma de estar, de competir, de jogar, de treinar daquela equipa. Onde é que tudo isto começou para vir o budget externo? Nos jogadores, treinadores, dirigentes, clube, na forma de comunicar, na forma de estar, no mindset de valores.

AFCB: Que mensagem é que gostavas de deixar para os jovens do distrito, que como tu anteriormente, sonham ser jogadores ou treinadores?

JR: Primeiro que tudo, é necessária paixão. Há que ter paixão, porque daí vai nascer uma autodisciplina, que faço de forma apaixonada e transforma-me em autodisciplinado. Ou seja, abdico de muitas coisas, renuncio a outras e faço sacrifícios para a minha paixão.

 A autodisciplina, que é saber dizer que não a muitas coisas que nos podem servir de distração. Claro que, fazendo aqui um parêntese, enquanto fui estudante, tive noites em que fiquei no quarto a trabalhar e, apenas quando acabava o trabalho, é que ia sair à noite. Só que essa parte da autodisciplina veio depois da paixão. Tinha a consciência que se não fizesse isto, os meus pais não tinham dinheiro para pagar mais um ano de curso. Tinha de me meter fino. Autodisciplinar-me.

A paixão, a autodisciplina e, claramente, o confiar, acreditar e, em simultâneo, a preparação. Se é para ser jogador, tem de se preparar, desde a alimentação, o descanso, o treino - técnico, tático e cognitivo. Para se ser treinador, é necessário ler, estudar, tem de se investigar, procurar e tem de se ver muitas horas de vídeo – treino e jogo. Tem de se ir fora, complementar com outras áreas do conhecimento, liderança, gestão, comunicação - tudo aquilo que envolve a nossa intervenção. Portanto, paixão, autodisciplina, preparação, confiar, acreditar e, no final, insistir e persistir até conseguir.