Jorge Nunes é o convidado do mês de maio da rúbrica “No Interior do Jogo”. Natural da Sertã, é um dos nomes fortes da arbitragem no distrito de Castelo Branco e no panorama nacional.
Sócio de Mérito da Associação de Futebol de Castelo Branco (AFCB) e distinguido, em 2013, com o Prémio Prestígio, o trajeto no mundo do Futebol é extenso e conta com passagens pela liderança diretiva do Sertanense FC, a Presidência do Conselho de Arbitragem da AFCB e mais de 12 anos de ligação à Federação Portuguesa de Futebol (FPF).
Nesta segunda parte da conversa com a AFCB, Jorge Nunes explica as funções que desempenhou na FPF, lança um olhar sobre a arbitragem distrital e nacional e deixa ainda conselhos aos mais jovens.
AFCB: Está há vários anos na FPF, na seção Não Profissional. Acredito que já tenha nomeado milhares de árbitros para diferentes jogos. Tem ideia de quantas nomeações já realizou?
JN: Nos 13 anos que estive ligado à FPF, fazia o acolhimento aos árbitros que subiam dos Campeonatos Distritais e chegavam, pela primeira vez à Federação Portuguesa de Futebol. Neste período, recebi mais de 600 juízes estreantes e trabalhei com mais de 900 árbitros. Fiz mais de 60 mil nomeações, cerca de 500 representações oficiais em nome do Presidente do Conselho de Arbitragem da FPF e assisti, ao vivo, a mais de 800 jogos. Trabalhei com 33 Presidentes diferentes das 22 Associações Distritais Regionais (ADR’s) e com 59 Presidentes do Conselho de Arbitragem diferentes das ADR’s, percorri mais de 750 mil quilómetros. Desde 2012, por eleição interna do Conselho de Arbitragem da FPF fiz parte da Direção da Associação de Auxílio de Arbitragem.
AFCB: Quais os principais aspetos que tem em conta quando realiza uma nomeação?
JN: O principal aspeto de uma nomeação para um jogo é sempre tentar colocar o melhor árbitro para aquele jogo. É necessário perceber se as equipas são pacíficas, se há rivalidades, os resultados anteriores entre ambas. Tudo aquilo que tem a ver com os encontros anteriores. Após termos o jogo identificado, vamos procurar o melhor árbitro, na nossa opinião, para aquele duelo. Esse é o critério principal.
Há, ainda, aqui outros critérios, como a distância percorrida, o critério temporal do árbitro para o jogo, para não ter feito aquelas equipas num espaço temporal inferior a 30 dias, que é o razoável. Não ter repetido, se possível, o mesmo encontro na primeira volta e não ser reincidente de uma das equipas na condição de visitado ou visitante. Temos, também, uma questão importante nas nomeações – e era uma particularidade que tinha, uma vez que mantinha um contacto próximo com todos os árbitros -, que é perceber o estado de espírito deles - como é que estão fisicamente, como é que estão na universidade, questões familiares, se têm treinado bem e se andam motivados. A pior coisa que se pode fazer a um árbitro é nomeá-lo quando ele não está motivado. Nem que o jogo seja de uma importância menor. Temos de avaliar e analisar as partidas todas com a mesma importância. É necessário proteger a competição e os agentes desportivos, mas temos, igualmente, de perceber que o árbitro prefere estar mais silencioso e ser mais protegido. E, quando protegemos um árbitro, ganhamos o mesmo com outro árbitro a seguir e protegemos a competição e a organização.
Estes são, mais ou menos, os meus critérios. E juntar também uma questão importante, que é saber se há processos disciplinares em encontros anteriores, protegendo o árbitro e as coletividades, não o nomeando para partidas com essas equipas.
AFCB: Além da função de nomear, que outras responsabilidades tem na arbitragem da FPF?
JN: Organizei, desde 2012 até 2024, 20 fóruns de Arbitragem. Foram feitos em vários pontos do país e nas ilhas. Fizemos um na Madeira, um nos Açores e dois na Sertã – em colaboração com a Associação de Futebol de Castelo Branco e o Município da Sertã. Estive como responsável de Arbitragem em todos os Torneios Lopes da Silva, desde 2012, todos as competições UEFA Regiões e os Torneio de Desenvolvimento da UEFA, de dois em dois anos.
Ainda assim, há um momento que me deixou uma marca interessante, em termos pessoais, que foi a Fase Final do Campeonato Europeu Universitário, em Coimbra, em 2018. Era o responsável pela Arbitragem do Futebol e do Futsal, juntamente com um elemento da Irlanda e outro do Chipre. Tinha um conjunto de cerca de 60 ou 70 árbitros de mais de 20 nacionalidades diferentes, entre eles cerca de 25 portugueses que interagiam com os nossos árbitros e que também nomeava. Isso foi um marco interessante, até porque obrigou-me numa semana a falar inglês, russo e alemão e tudo aquilo que era necessário fazer com eles.

AFCB: Quais os desafios, na sua ótica, que a arbitragem nacional enfrenta no futuro?
JN: Os principais desafios é a sociedade entender que tem de elevar a cultura desportiva. Os agentes desportivos têm de perceber que a figura do árbitro é preponderante e quase que obrigatória para um bom jogo de Futebol. E o que temos constatado, socialmente, é que o nosso povo, para além de outras áreas, tem um défice de cultura desportiva. No futuro, a arbitragem precisa de menos comentadores. Têm de ser pessoas que contribuam, nem que seja com uma crítica negativa, para o desenvolvimento da arbitragem no futebol - termos comentadores a falar por cores, não ajuda.
É também necessário que a sanção disciplinar corresponda ao ato. Se os organismos e as instituições continuarem a branquear aquilo que deve ser punido, estamos a contribuir para que não se passe do mesmo. E aquilo que a arbitragem precisa é de evoluir, trabalhar mais, ter mais compromisso, mas também ser mais respeitada.
AFCB: Numa posição tão exposta e suscetível à crítica, como é que se convence os jovens a envergar pelo mundo da arbitragem?
JN: É um trabalho difícil, mas para atrair pessoas novas para a arbitragem, essencialmente os mais jovens, temos de perceber o que é que de positivo a arbitragem tem na vida das pessoas, tanto a nível de liderança, como social, pessoal e profissional. A arbitragem, como se dizia antigamente relativamente ao serviço militar, é uma escola. Temos mais coisas boas do que coisas negativas. Ainda assim, uma grande maioria dos árbitros sai muito mais valorizados na sua vida pessoal, profissional e familiar por ter passado por esta função. Porque isso leva-os a serem melhores líderes, melhores pessoas, melhores cidadãos. Leva-os a respeitar mais os outros e, obrigatoriamente, a serem mais respeitados também. É verdade que temos de ter a arte de saber comunicar nesta matéria.
Se fazemos uma abordagem aos jovens com as coisas negativas, estamos a afastá-los antes do tempo. Não as podemos esconder, é verdade, mas também não as podemos pôr ao nível daquilo que são as positivas. A arbitragem tem tudo de positivo que um ser humano precisa e ajuda-o a desenvolver-se. A pessoa adquire mais-valia social, pessoal, académica, financeira e tem um estatuto diferente, porque entrando na arbitragem, mesmo saindo ao fim de pouco tempo, passamos a vê-la de forma diferente e vê, também, o mundo de forma diferente.
AFCB: Como olha para a arbitragem no distrito de Castelo Branco?
JN: Com a esperança de ver acontecer aquilo que a arbitragem precisa e o futebol espera. Devemos começar pelo fim. O que é que o futebol espera? Uma arbitragem competente, credível e com elevação. Uma arbitragem que saiba o que é corresponder à função de árbitro. O futebol espera que a arbitragem e o árbitro sejam um elemento preponderante no jogo, na competição, nas coletividades e na sociedade. O árbitro tem de ser um exemplo e saber diferenciar aquilo que é o fazer cumprir as regras ou impor as regras. E aqui há, certamente, como em todo lado, algum trabalho a fazer. As pessoas têm de saber que as regras são para se cumprir. É preciso saber passar essa mensagem. Será necessário dar os recursos e as condições para que os árbitros percebam que têm de seguir por este caminho.
O que espero na arbitragem distrital é que haja e se reúnam condições para que os árbitros acreditem na responsabilidade da função, neles próprios e nas pessoas. Isto só acontece sabendo falar ao coração, ser sensível, saber ouvir e responder e saber cativar todos os intervenientes no futebol - jogadores, treinadores, enfermeiros, médicos, segurança, os pais, os clubes.
Há, seguramente, algo a melhorar na maneira como as pessoas olham para a responsabilidade do árbitro. Tem de existir uma ligação, as partes têm de acreditar umas nas outras, porque quando ganham, ganham todos, e quando perdem, perdem todos. Quem perde com o mau desempenho do árbitro são os clubes e o Futebol. Já um bom desempenho, independentemente do resultado, beneficia todos os intervenientes. É necessário criar condições para se aceitar o erro, mas só se consegue, se houver abertura, transparência, muita conversa, muita paciência e muito trabalho.

AFCB: Quais os planos para o futuro?
JN: Tenho quase 40 anos de Dirigente, entre o Sertanense FC, a AFCB e a FPF. O único plano é continuar ligado ao associativismo, seja através do Futebol ou através da Arbitragem. Neste momento estou a colaborar com o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.
AFCB: Na sua opinião, quais as características, principalmente mentais, deve ter um jovem para chegar às principais categorias da arbitragem?
JN: Um árbitro tem de gostar da função, de ser líder e ser autêntico. Agarrar a arbitragem como uma oportunidade. Trabalhar com compromisso, seriedade, saber ouvir, ser humilde e conseguir diferenciar o que é essencial do que é acessório. Um árbitro só deve fazer aquilo que tem de fazer, não precisa de fazer mais, não precisa de inventar, porque o tempo vai levando a que ele faça cada vez melhor, sem se aperceber – de uma forma natural. Agora, é essencial ter o compromisso de não prejudicar os estudos, os amigos e a família pela arbitragem. Sabendo gerir todos estes temas, conseguirá, seguramente, ser um árbitro de excelência. O limite não é o jogo de amanhã, mas sim quando chegar ao topo da carreira, que esse árbitro define como o seu objetivo e isso acontecerá quando tiver de acontecer. Os objetivos têm de ser trabalhados e alcançados de uma forma lógica, mensurável e exequível. Quem quer chegar ao topo, não pode criar objetivos inexequíveis. Normalmente, uma boa pessoa, pode dar um bom árbitro; e um bom árbitro normalmente é um bom estudante, um bom atleta, um bom amigo, um bom filho e um bom pai, é alguém que é exemplo. O melhor árbitro não é aquele que sabe melhor as leis de jogo, mas é o que é mais sensível perante aquilo que anda à volta do fenómeno da arbitragem e do Futebol.
AFCB: Que mensagem gostava de deixar aos jovens, que ambicionam chegar aos mais altos patamares da arbitragem nacional?
JN: A mensagem é acreditarem neles próprios e nas instituições e, para tal, têm de acreditar nas pessoas que as dirigem. Com compromisso, trabalho e dedicação, o futuro está garantido. Os árbitros não podem criar a expectativa de que, em três anos, vão estar na FPF ou na 2ª categoria. Esses pressupostos não são exequíveis. O que é natural, acontece. A resiliência é importante na vida, mas na arbitragem é fundamental. Se um jogo não corre bem, o árbitro tem de ser resiliente e perceber que o próximo vai correr melhor. Se tem uma avaliação menos conseguida, tem de se levantar, ser resiliente e acreditar que é melhor do que aquilo que fez naquele jogo e fazer mais e melhor no fim de semana seguinte.