AFCB - 26 anos num mesmo clube é muito tempo! Ainda te lembras como tudo começou?

Ricardo Machado (RM) - Começou num torneio de futebol de 5 na Boa Esperança. Eu joguei futebol de 7 no Desportivo de Castelo Branco enquanto infantil, era guarda-redes (risos), mas entretanto já não jogava futebol há uns seis anos, tendo nesse hiato de tempo experimentado o basquetebol e outras modalidades. Mas no verão de 1995 fui jogar pelos escuteiros um torneio de futebol de 5 à Boa Esperança. Um treinador da altura gostou do meu desempenho e perguntou-me se eu não queria jogar futsal pela ARBBE na época seguinte e... cá estou eu 26 anos depois com a mesma camisola vestida.

 

AFCB - Quem te conhece diz que estás sempre bem disposto, como definirias o Ricardo Machado?

RM - Sou extrovertido, Amigo do Amigo, sério, direto, duro (como capitão), exigente e tento ser um exemplo para os mais novos, tento passar-lhes a mística e o orgulho de representar a Boa Esperança.

 

AFCB - O rendimento de hoje já não é o de outrora...

RM - Houve um tempo em que a ARBBE era o Machado e mais quatro (risos), agora passo mais tempo no banco a incentivar os meus colegas. Muitos deles ainda não tinham nascido e já eu jogava pela ARBBE (risos).

 

AFCB - Não achas que ainda poderias fazer mais uma/s época/s?...

RM - Estou quase a completar 42 anos e acho que ainda aguentava mais. Isto é uma reforma antecipada (risos).  Desde que fui Pai a prioridade é o meu filho, o Lourenço, e tenho de estar mais tempo com a minha família. O Lourenço ainda é muito pequenino e precisa, e eu quero, que o Pai esteja presente.

 

AFCB - O que é que faz o Ricardo Machado fora da quadra?

RM - Sou empresário de bilhética, proporciono o serviço de venda de bilhetes à empresa TRANSDEV, uma empresa do sector rodoviário de passageiros.

 

AFCB - És sócio da ARB Boa Esperança?

RM - Desde que aqui cheguei!

 

AFCB - Já és sócio de prata (25 anos de associado)!

RM - Sim (risos)

 

AFCB - Nestes 26 anos, para além de jogador, já desempenhaste mais funções no clube?...

RM - Já fiz quase tudo. Na minha oitava temporada como jogador tornei-me dirigente, entretanto já fui tesoureiro, diretor desportivo, já servi no bar.... Sou aquele jogador que toma banho mais depressa para sair rápido do balneário e ir preparar as sandes para o lanche dos colegas de equipa que acabaram de jogar, por isso já fiz quase tudo!...

 

AFCB - Só falta ser presidente....

RM - Naturalmente já me passou pela cabeça, mas estando o cargo bem entregue e enquanto o Lourenço for pequeno não serei presidente. A ARBBE é muito grande para ter um presidente que não dê o máximo de si.

Mas também digo, a ARBBE não deixará de ter presidente. Se algum dia não houver alguém que avance, a ARBBE não acaba, eu direi presente.

 

AFCB - Qual a situação mais engraçada que viveste na ARB Boa Esperança?

RM - Definir uma é sempre redutor, mas...

... lembro-me de uma situação, numa altura em que as plataformas digitais e redes sociais não existiam, em que não tínhamos noção dos pontos reais que possuíamos na tabela classificativa, isto porque uma equipa tinha desistido e nós pensávamos que os pontos nos haviam sido retirados. Fomos para a última jornada com a ideia de que já não tínhamos qualquer hipótese de sermos campeões. Aquecemos na brincadeira, a jogar basquetebol, para espanto dos nossos adversários, tal parecia o nosso “excesso de confiança”. Entramos a jogar de forma descontraída, estivemos a perder 3-2, continuámos a jogar à vontade e acabamos por ganhar 3-4.

Após o apito final vejo os nossos adversários muito tristes, uns deitados no chão, outros a chorar e outros, para nossa estupefação, a virem ter connosco para nos darem os parabéns. A pergunta que se impunha : “Parabéns por quê?”... “Pela subida!”, disseram-nos. Conclusão, os pontos com a equipa que desistiu não nos tinham sido retirados, fomos campeões e subimos da terceira para a segunda divisão. Uma situação sui generis, mas muito engraçada. Outras haveria, mas ficam no balneário, esta é a mais engraçada que se pode contar (risos).

 

AFCB - Eu pensava que seria a situação de quando foste para o teu casamento no autocarro da ARB Boa Esperança...

RM - Essa é uma das que tem a ver com a minha vida pessoal.

Eu disse à minha esposa, namorada na altura, que o meu sonho era ir para a Igreja no autocarro da Boa Esperança. Ela chamou-me maluco, porque “já não pode ouvir falar” da Boa Esperança porque já sabe que é ali a “minha primeira casa”.

No dia do casamento estava eu na sala, os convidados a chegar para de seguida irmos para a igreja e pareceu-me começar a ouvir a música que nós cantamos no autocarro, uma música nossa!... Venho à varanda e está à minha espera o autocarro da ARB Boa Esperança todo decorado.

Num dia tão especial aquele momento foi a melhor surpresa que me podiam ter proporcionado. Fui para a igreja com todos os meus colega da Boa Esperança no autocarro. Eu à frente, como se fossemos para um jogo e com a nossa geleira das “minizinhas” (risos).

 

AFCB - Como é que preparaste os últimos dias, os últimos instantes, antes do jogo com que terminaste a carreira?

RM - Isto já vem de trás...Eu sempre sonhei com aquele momento, sabendo que ia ser um momento que me iria custar muito. Naquele dia vêm memórias e amigos de 26 anos à cabeça, emoções que nunca mais vou voltar a ter. Posso ficar no clube, mas não será igual.

 

AFCB - O interregno competitivo provocado pela pandemia ajudou a que a despedida não custasse tanto?

RM - Sim, acho que sim. Seria uma despedida que tanto me iria custar, mas devido à pandemia e ao facto do campeonato ter estado parado, foi faseada e fui-me mentalizando. Não tive aquele choque do género: “Eish, este é o ultimo jogo, como é que vai ser?” Aquilo que tanto medo tinha, a despedida, foi-se arrastando.

De qualquer forma foi um misto de emoções. Eu sabia que para o último jogo haveria qualquer coisa, mas não imaginava o quê. Foi uma surpresa em grande, que adorei, só tive pena de não ter o pavilhão com todos os meus amigos, porque aí ainda ia ser mais caloroso. Mas sei que foi o que pode ser e estou grato à direção da ARBBE, à AF Castelo Branco, aos meus amigos e familiares que proporcionaram aquele final. E não vou negar, a presença do meu filho Lourenço tornou tudo ainda mais bonito.

 

AFCB - Durante o jogo, ias pensando que estavas no último jogo?

RM - Sim, ia pensando que era a última vez que estava ali sentado com a camisola de jogo, mas também tinha uma certeza que me tranquilizava, sabia que a ARBBE é a minha casa. Na verdade, eu já confundo a ARBBE comigo. Pode parecer exagerado, mas eu não vejo a minha vida sem a ARBBE. Digo mais, ando mais zangado quando a Boa Esperança perde do que quando o meu clube, o Sporting CP, sai derrotado de um jogo.

 

AFCB - Mas nesse aspeto o Sporting CP tem, ao logo dos anos, preparado os seus adeptos, tu inclusive... (risos)

RM - (Risos)... Foi um ano atípico, foi  a minha despedida e o Sporting CP foi campeão!

 

AFCB - Como foi pós apito final? A ARB Boa Esperança tinha a expectativa de se manter na 2ª divisão, mas o resultado não permitiu isso.

RM - Nesse dia houve um misto de emoções. Triste, muito triste, pelo facto da ARBBE descer à terceira divisão (mas continuámos nos campeonatos nacionais) e feliz por um percurso de 26 anos dedicados ao futsal e a esta casa.

Para quem não sabe, a ARBBE e o Sporting CP são os clubes com mais anos de campeonatos nacionais. Desde que subiu aos nacionais a ARBBE nunca mais desceu ao distrital, isto é história! E essa história foi construída com mérito de todos: presidentes, diretores, treinadores, jogadores, fisioterapeutas, todos, todo, todos, que fizeram da ARBBE o clube que é.

Este jogo em concreto não teve o resultado desejado. Perdemos e descemos para a terceira divisão, num ano atípico em que perdemos jogadores a meio da temporada e em que o campeonato teve moldes diferentes. Três meses parados... numa época que tanto podíamos ter ficado na segunda, como ter disputado o play-off de subida ou até termos descido ao distrital. Fomos despromovidos para a terceira divisão, mas mantivemos o clube nas competições nacionais o que, em certa medida, permite afirmar que o objetivo foi alcançado.

Quanto a mim, quando ouvi o apito final aquele momento ficou marcado pelo simbolismo de um apito final que dita que “tudo terminou”! Terminou um percurso que considero ter-me engrandecido. E se muitos consideram que a ARBBE tem algo a agradecer-me, eu digo que é ao contrário, eu é que tenho de agradecer à ARBBE e a quem faz a ARBBE, me terem permitido viver as emoções e os momentos que vivi, os golos, os cortes, as vitórias, o balneário, o autocarro e o ambiente de ir para os jogos. Não há dinheiro que pague isto.

 

AFCB - Como é que é entrar naquele pavilhão com aquele painel/lona descerrado pela tua esposa e pelo teu filho?

RM - Sou sincero, quando ali entro ainda me vêm as lágrimas aos olhos!...

Ver ali o Ricardo Machado de há 26 anos, vejo também o meu trajeto retratado. Trajeto que fica ali imortalizado até que uma “biqueirada” numa bola mande aquilo abaixo (risos).

Lembro-me que na altura em que a lona foi revelada estava a tentar controlar-me emocionalmente, mas quando ali vi o meu filho Lourenço, a coisa descambou um bocadinho, foi um “golpe baixo” (risos).

 

AFCB - Como foram vividos os dias seguintes?

RM - No próprio dia à noite custou-me imenso dormir. Foram muitas emoções, mensagens de felicitações de familiares, amigos, colegas de balneário, treinadores,  vídeos, publicações nas redes sociais, tudo a tirar o sono. Foi uma noite a puxar memórias!

Os dias seguintes já foram com a saudade... Vai ser algo que me vai acompanhar para sempre.

O que eu digo aos mais jovens é: “Aproveitem! Aproveitem cada lance que disputam. Festejem ao máximo cada golo que marcam. Cada corte e cada vitória que a ARBBE alcance, festejem. Eu estive aqui 26 anos e parece que foi um dia, passou tudo a correr. Daria tudo para voltar ao início!”

 

AFCB - Para terminar... há algum jogo que consideres o mais importante da tua carreira?

RM - Há um jogo que me marca muito, o último jogo da temporada 2006/2007, em Chelas, frente ao Vitória dos Olivais. A ARBBE com um plantel constituído quase exclusivamente com jogadores de Castelo Branco foi, contra tudo e contra todos, campeã nacional da terceira divisão.  Naquela época toda a gente achava que só com malta da terra a ARBBE não se conseguiria manter e iria descer de divisão. Mas conseguirmos fazer um grupo tão forte que conseguiu ser campeão nacional de futsal, num campeonato onde estavam Beira-Mar, Vitória dos Olivais ou o Mogadouro que na época era uma equipa fortíssima. Esse jogo, quando fomos campeões nacionais em Olivais, marca-me para sempre. Era o último jogo, precisávamos de vencer e vencemos! Foi uma vitória à ARB Boa Esperança.