Cerca de seis meses após ter abandonado os relvados de futebol, Carlos Xistra concedeu à AFCB a sua primeira entrevista após o apito final. Aos 47 anos de idade revela-se um homem tranquilo e orgulhoso de um percurso de quase três décadas ligado à arbitragem. Sério e frontal recorda momentos com memória fotográfica e perspetiva o futuro do ofício do “mau da fita”. Uma entrevista imperdível, a entrevista que se exigia.

 

AFCB: O Carlos esteve ligado à arbitragem durante 28 anos, 20 dos quais como árbitro de primeira categoria e 11 como árbitro internacional.... para si, quem foi a maior influência que o levou a ingressar na arbitragem?

CX: Foi um ex-árbitro, na altura árbitro de terceira categoria nacional, Francisco Rosário Fernandes, que morava ao pé de mim. Estávamos em pleno período de férias escolares e ele “agarrou” em quatro ou cinco de nós lá do bairro, alguns já a trabalhar, e incentivou-nos a fazer o curso de árbitros! Como ele já era árbitro, gostaria de ter amigos que também fossem árbitros.

Aconselhou-nos apenas e, só, tirarmos o curso, indicando-nos que não tínhamos de seguir a carreira, realçando o facto que naquela altura do ano, dado o período de férias, não estávamos a fazer nada e, pelo menos, podíamos fazer o curso e ficar a perceber as leis do jogo. Acabámos todos por ir!...

Evidentemente que depois, ao longo do curso, eu e outros, que estávamos de férias e não nos encontrávamos a trabalhar, tínhamos mais disponibilidade para estudar. O certo é que começámos a tomar o gosto pela arbitragem. Aquele “bichinho”, de que muita gente fala,

começou a crescer, não tanto em relação à arbitragem, mas mais em relação às leis e ao desconhecimento que tínhamos das leis do jogo e que ainda hoje, infelizmente, a maioria dos jogadores desconhece, apesar de serem jogadores profissionais.

Modéstia à parte, na altura comecei a destacar-me nas classificações que tinha nos testes e começou assim.

Mais tarde... bem, eu não era para continuar. O que eu queria mesmo era continuar a jogar futebol, mas o meu pai não deixou. Esse ano letivo não correu de acordo com as expectativas e o meu pai, em jeito de repreensão, não me deixou continuar a jogar futebol. Disse-me que, se quisesse continuar ligado ao futebol, teria de ser pela arbitragem, porque jogar estava fora de questão.

 

AFCB: Houve alguém que o empurrou para a arbitragem e houve outro alguém que o “obrigou” a ficar lá!...

CX: Exatamente. Eu não tive outra alternativa que não fosse por via da arbitragem para ficar ligado ao futebol.

 

AFCB: Lembra-se do primeiro jogo que arbitrou?

CX: Perfeitamente!... Um jogo de juniores, dia 19 de dezembro de 1992, no Tortosendo, AD Estação 4 – 1 Proença-a-Nova. Estava um bocado nervoso, como era natural, mas muito confiante. Sabia que conhecia as leis, não só pela experiência enquanto jogador, mas também pelo que tinha aprendido no curso.

 

AFCB: Que idade tinha?

CX: 18 anos.

 

AFCB: E a primeira internacionalização, também está “gravada”!?...

CX: Foi em 2008, num torneio de sub-19, na Eslováquia.

 

AFCB: Qual a sensação de envergar as insígnias da FIFA e FPF?

CX: É uma sensação de orgulho! Nós, para além de estarmos a representar a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), estamos também a representar Portugal. Como árbitros internacionais representamos o país. Aliás, ainda hoje, quando o Dr. Fernando Gomes entrega as insígnias, diz que os árbitros são “os internacionais” como são os jogadores. E que, quando entram em campo para representar a FPF, estão a representar a seleção nacional dos árbitros.

É um orgulho muito grande por representar o país, por representar uma região e, no fundo, por representar a cidade da Covilhã.

 

AFCB: Há algum jogo que tenha tido prazer particular em arbitrar?

CX: Sim, o jogo da final da Taça de Portugal. É um jogo marcante. É um fim de semana diferente. Quando se diz que o jogo da final da Taça de Portugal é um jogo único, é verdade. Toda a envolvência à volta do jogo e do Estádio do Jamor, o facto das pessoas irem para lá às 7h e 8h da manhã, tudo é especial. É um prazer enorme estar ali e é esse um dos jogos em que nós, árbitros, nos sentimos realizados, e daí o facto de ter sido o jogo que mais me marcou na carreira.

 

AFCB: Há algum jogo que gostava de não ter realizado ou algum erro que gostava de não ter cometido!?

CX: Muitos, infelizmente. Ainda hoje digo que, a maioria das pessoas que comenta arbitragem (por comentar), devia, no mínimo, experimentar arbitrar um jogo de futsal entre amigos, gravar o jogo e depois chegar a casa e ver. Porque muitas vezes aquilo que nós vemos em campo, não é o que se vê na televisão, por muito paradoxal que possa parecer, mas é a realidade. Ainda hoje percebo as muitas decisões que os meus colegas tomam em campo,

porque eu estou a ver-me dentro do campo e sei que eles, ali, viram o que indicaram. Percebo essas decisões, ainda que possam estar erradas.

 

AFCB: “Não se vê em campo, mas vê-se na televisão” ...O VAR (Video Assistant Referee – Vídeo-árbitro) veio colmatar as falhas humanas do árbitro?

CX: Veio e veio para ficar. O problema do VAR é só um, é a mudança do “mau da fita”. Quando não havia VAR, o “mau da fita” era sempre o árbitro; após a implementação do VAR, ou há dois “maus da fita”, dois meios “maus da fita”, ou então só um, o VAR. Mudou o “vilão” do filme.

A verdade é que se formos a analisar friamente, o VAR veio corrigir muitos erros, mas tal como estes existiam antes de haver VAR, continuam a existir com a presença dele. Quando o erro é corrigido, o erro deixa de ser notícia.

O VAR já corrigiu e vai continuar a corrigir muitos erros e muitas decisões que teriam efeito no resultado, mas não será notícia, porque isso (a decisão correta) não faz eco. O que faz eco são os erros do árbitro, independentemente do VAR. Acredito que o VAR nunca vai ter aquele protagonismo positivo que seria expectável, porque nunca vão dar ênfase às boas decisões.

Por isso, até parece que o VAR não veio alterar nada...

 

AFCB: O ênfase das decisões recairá sempre sobre o aspeto negativo!?

CX: Sim, acredito que sim. E o VAR acaba por sofrer um pouco desse mal, de não serem realçadas as boas decisões, como já não eram quando não existia VAR, ou seja, vai ser “mais do mesmo” e o VAR vai ser visto como já era visto o árbitro, o “mau da fita”, porque o destaque incide sempre sobre os erros em detrimento das boas decisões. Porque sempre foram e serão as boas decisões, as decisões que são corrigidas (pelo VAR), que mais rapidamente se esquecem, porque essas não fazem eco.

 

AFCB: O árbitro sente-se mais confortável com o VAR?

CX: Sente-se, ainda que não se sinta tão confortável quanto as pessoas possam pensar e que deveria ser. O que acontece é que a partir do momento em que os árbitros retificam uma decisão, são negativamente influenciados na sua nota e a partir daí o seu comportamento ao nível do jogo pode não ser o melhor.

Por exemplo, uma pessoa que está a fazer um exame de condução, e sabe a meio do exame que vai reprovar, porque cometeu um erro, a sua concentração e discernimento já não vão ser iguais até ao fim do exame. Pode não cometer mais nenhum erro, mas o foco, a atenção e a concentração já não estão no máximo, e já não está na plenitude das suas capacidades. Com o árbitro acontece algo assim. Eu quando era árbitro sentia um bocadinho isso, apesar de já ter a experiência que tinha.

 

AFCB: Isso acontece frequentemente?

CX: Os árbitros sabem que, a partir do momento em que revertem uma decisão, a sua nota será afetada e já não vão ter a cotação desejada aquando do início do jogo. Claro está que isto afeta mais uns do que outros e por isso é que considero que não devia haver classificação de árbitros, por muito que isso implique outras situações. O certo é que os árbitros deviam entrar em campo totalmente livres de não ter problemas nenhuns em recorrer ao VAR, sempre que fosse preciso para retificar alguma decisão, porque eles acabam por querer isso, só que essa situação é um doce um pouco amargo... “eu quero este doce, gosto dele, mas sei que se comer, vai-me fazer bem por um lado mas mal por outro “. O ideal seria que os árbitros entrassem em campo sabendo que poderiam ir ao monitor as vezes que fossem necessárias, sem quaisquer constrangimentos, porque o que um árbitro não quer é chegar ao final do jogo com influência no resultado, nem quer ser capa do jornal do dia seguinte.

 

AFCB: Treinadores, dirigentes, jogadores falam nos media... acha que os árbitros também deviam poder falar?

CX: Acho que sim, mas pontualmente! Não semanalmente, caso contrário acabamos por cair numa banalização, até porque as poucas experiências que já aconteceram não correram bem. Infelizmente, e acredito que isto não acontece apenas em Portugal, mas essencialmente nos países latinos, quando se chega à televisão e diz-se que se viu isto e não aquilo, as pessoas não acreditam, porque elas (só) veem o que veem na televisão. Isso aconteceu na famosa final da Taça da Liga de 2009, quando o Lucílio (Batista) foi à SIC explicar o que tinha visto. Evidentemente, os adeptos da equipa que se sentiu prejudicada não acreditaram, nem nunca vão acreditar no que ele disse. Mas contínuo a afirmar, acho que pontualmente isso devia acontecer.

Eu já tive, muitas vezes, necessidade de publicamente explicar o porquê do meu erro e não o fiz porque estava impedido pelos regulamentos. No fundo acabaria por ser um desabafo e não me importaria nada de explicar às pessoas porque é que a decisão foi aquela e não outra, podendo, inclusive, explicar com recurso a imagens. Dou o exemplo concreto de um Sporting - Rio Ave em que não assinalei uma grande penalidade. E não o fiz porque o jogador que toca a bola com a mão está no que nós chamamos “ângulo cego”. Era impossível ter visto, de onde estava, nem eu nem nenhum elemento da equipa de arbitragem conseguia ter visto. Eu queria explicar e, com recurso a imagens, acredito que as pessoas iam conseguir perceber mas... fiquei privado dessa possibilidade.

 

AFCB: Por falar em comunicação social, os árbitros não estão muito habituados a entrevistas…

CX: Atualmente já vão estando!...

 

AFCB: Em algum momento da sua carreira ponderou, abruptamente, abandonar a arbitragem?

CX: Sim. Pensei, ainda que por pouco tempo. Foi após um jogo em Oliveira do Bairro. Houve invasão de campo, por causa de uma atitude do guarda redes da equipa visitante e, depois no meio da confusão, houve alguém que se aproveitou e me deu um pontapé na perna. Nesse dia e no dia seguinte só pensei em desistir.

Até hoje e até agora só tinha contado à minha mãe. Foi ela que me ajudou a ultrapassar esse momento e no dia seguinte já pensava o contrário. No fundo, fiz aquilo que deve ser feito alicerçado numa reflexão: “Desistir da arbitragem por este motivo é dar razão a quem não tem e não devemos desistir dos nossos sonhos por causa de pessoas que não sabem o que fazem e dizem. Elas não merecem que lhes seja dado esse prazer!”

 

AFCB: Vários antigos árbitros assumem, aquando do términos da carreira, funções de dirigentes, comentadores, especialistas em clubes, etc.. Tem em mente, no futuro, abraçar/conceber algum projeto nesta linha?

CX: Ao nível da comunicação social, não. Não me imagino nesse papel, até porque o facto de viver na Covilhã poderia não permitir a sua exequibilidade. Estar ligado a um clube... talvez, se fosse convidado. Mas seria difícil, porque aquilo que iria querer implementar colidiria com aquilo que são as ideias dos clubes. Nós podemos ajudar os clubes em muitas situações, principalmente nos conhecimentos que eles não têm, e isso poderia ser um veículo facilitador de muita coisa, mas, ao nível da comunicação, o embate é frontal, porque os clubes não aceitam que lhes digam que eles não têm razão. Colide uma vez, colide a segunda e à terceira mandam-nos embora, porque eles não estão ali a fazer o que esperavam deles, e vários são os exemplos de ex-árbitros que saíram dos clubes que solicitaram os seus serviços.

 

AFCB: Os árbitros têm clube?...

CX: Os árbitros sempre tiveram clube até serem árbitros, nomeadamente até chegarem à primeira categoria. Tiveram!...

À medida que a carreira de um árbitro vai subindo de patamar, o clube do qual os árbitros eram adeptos acaba por esfumar-se, apagando-se definitivamente quando é alcançada a primeira categoria. Os árbitros o que querem é acertar, especialmente quando estão na primeira categoria, seja com o clube A, B ou C, porque não há outra forma, não outra maneira de fazer isto. É como em tudo na vida, a partir do momento que temos de tomar decisões e estamos numa posição equitativa, seja em que profissão for, não podemos fazer opções só porque este ou aquele é nosso amigo, ou porque gostamos mais ou gostamos menos. Temos de realizar o nosso trabalho da forma mais isenta possível. O Árbitro é menos adepto de um clube quanto mais sobe na carreira.

 

AFCB: Toda a gente tem clube até...

CX: Ninguém é árbitro sem gostar de futebol e ninguém gosta de futebol sem gostar de um clube, é uma verdade de La Palisse!

 

AFCB: Jogou no SC Covilhã, é sócio do clube?...

CX: Desde o dia em que nasci!

 

AFCB: Nunca deixou de ser sócio?

CX: Nunca!

 

AFCB: Alguma vez arbitrou um jogo do SC Covilhã?

CX: Um jogo oficial não! Fiz algumas vezes quarto árbitro, algo que não foi do meu agrado e manifestei isso ao Conselho de Arbitragem, mas também foram jogos de menor importância,

jogos de primeiras fases da Taça da Liga e até com o intuito de ajudar jovens árbitros, mas “jogos mais a sério” nunca fiz, nem queria fazer!

 

AFCB: Como tem sido o regresso à “vida normal”?

CX: Tem sido tranquilo. Muito normal não é por causa dos efeitos desta pandemia. É um regresso mais obrigado pelas circunstâncias do que propriamente pela forma como queria, mas tem sido tranquilo. Vou vendo alguns jogos, o que me apetece ver. Se não me apetece, não vejo. Vou vendo os meus colegas, principalmente vou vendo os meus colegas. Vou acompanhando com interesse os jovens que subiram no ano passado e estou atento à evolução deles e, claro, estou sempre a torcer por eles e que não haja erros, principalmente com influência no resultado.

 

AFCB: Sente saudades da “adrenalina” antes dos jogos?

CX: Não sinto tanto quanto pensava que ia sentir. Não sei se isso estará relacionado com o momento pandémico que vivemos, mas não estou a sentir muita falta, porque, sinceramente, estava um bocadinho “farto”. Foram 20 anos e já estava à espera de estar de fora, de estar no meu cantinho, sossegado, a ver os outros, sem a tal “adrenalina”. Mas sinto sempre qualquer coisa, como disse, não tanto como inicialmente pensava que ia sentir.

 

AFCB: O que sentiu no momento do apito final daquele FC Porto-Moreirense de 20 de julho no Estádio do Dragão? Naqueles segundos imediatos ao apito...

CX: Senti uma sensação de dever cumprido. Dever cumprido porque fiz sempre muito mais do que aquilo que estava à espera. Quando tirei o curso, nunca imaginaria ser árbitro de terceira categoria, quando ainda existia a terceira divisão, nunca imaginaria que chegava lá. Quando cheguei à terceira categoria, nunca imaginei chegar à segunda categoria e cheguei passados dois anos. E quando cheguei à segunda, para ser sincero, já pensava que podia chegar à

primeira categoria. A razão era simples, cheguei à segunda categoria com 23 anos e tinha pela frente mais 15/16 anos para lá chegar. Mesmo que descesse à terceira categoria, podia voltar à segunda e depois subir à primeira.

Quando cheguei à primeira categoria nunca pensei ser internacional e fui. E como internacional nunca pensei que pudesse alcançar jogos que alcancei e, portanto, foi sempre um bocadinho a sensação de que estava a fazer mais do que imaginaria ser possível. A minha sensação no momento desse último apito foi de dever cumprido, porque fiz sempre mais do que aquilo que estava à espera.

 

AFCB: Acabou a carreira a arbitrar um dos grandes de Portugal, mas, devido ao momento pandémico que atravessamos, o estádio estava “vazio”. Sentiu falta do público no estádio nesse dia?

CX: Senti. Os árbitros também sentem a falta do público. Contudo, para mim, e não querendo entrar numa contradição, dizia que era igual arbitrar com público ou sem público, porque o meu foco e concentração eram tão grandes no que tinha que fazer a cada segundo que não me fazia grande diferença a presença de público. Eu não fazia nem deixava de fazer o que quer que fosse pela presença ou não do público.

Mas é diferente, às vezes sentia que, quando algum jogador da equipa da casa, nomeadamente dos três grandes, caía na área, não ouvia o “bruaá” que às vezes até a jogada mais limpa do mundo provoca, aí sentia que não havia público. Mas sabe, os árbitros não são propriamente os intervenientes mais reconhecidos pelo público. Naquele jogo não seria diferente, mas foi pena não haver público. É sempre triste quando um jogo de futebol não tem público.

 

AFCB: Tem filhos. Se algum deles quiser ser árbitro apoia e incentiva?

CX: (Silêncio)… É difícil responder porque eu fui árbitro de futebol e tive o sucesso que tive. Todo o pai

arbitragem não é, como as pessoas sabem, um mundo de rosas, antes pelo contrário. Costumo dizer que a arbitragem deu-me muito, mas tirou-me na mesma proporção. Permitiu-me alcançar muita coisa, essencialmente material, mas tirou-me também muita coisa, essencialmente afetiva.

Desde os 18 anos que não sou quem poderia ter sido, porque tive de assumir a responsabilidade ser “outro”, algo muito inerente à questão de ser árbitro e das pessoas me conhecerem como tal. Claro está que até chegar à primeira liga a visibilidade é uma, depois de lá chegar é outra e quando começamos a arbitrar os grandes é outra, ainda maior. Eu fiquei privado de fazer muita coisa...

 

AFCB: Principalmente do ponto de vista da família, do acompanhar o crescimento dos filhos!?...

CX: Depois dos 18 anos não tive a juventude que os meus colegas tiveram até aos 25/30 anos. Assumi sempre a responsabilidade da arbitragem. Aos 21 anos era árbitro de terceira categoria, aos 23 anos de segunda e aos 26 estava na primeira categoria. Não é que fosse fazer coisas que não devia fazer, no entanto outras coisas que são normais na juventude acabei privado de as realizar, algo que terá mudado um pouco a minha forma de ser e de estar. Tive de ser responsável mais cedo, o que também é bom.

Mas deixe-me acrescentar, quando chegamos à primeira categoria, a privação é ainda maior. Depois de um jogo mau, de um dos grandes, é preciso estar uma semana sem nos expormos e, se estivermos a falar de um “clássico”, talvez necessitemos de um mês de “clausura”, sem podermos ir a um shopping, sem podermos fazer uma vida normal. O que eu quero dizer é que não posso afirmar que não apoiaria, mas também, pelas razões que expus anteriormente, não posso dizer abertamente que sim.

 

AFCB: Recentemente, no dia 2 dezembro, Stéphanie Frappart, árbitra francesa de 37 anos, tornou-se a primeira mulher a arbitrar um jogo da Champions League, Juventus – Dínamo de Kiev. Como é que olha para arbitragem no feminino e como vê esta assunção da Mulher no papel de protagonista principal?

CX: O futebol feminino tem tido uma ascensão meteórica e a arbitragem feminina, felizmente, tem acompanhado, pelo menos em Portugal, essa tendência.

Vejo com muitos bons olhos esse papel desempenhado pela Mulher, sou pela igualdade de género, nomeadamente no desporto.

 

AFCB: O futuro da arbitragem passa por aí, pelo feminino?

CX: A curto prazo não acredito, essencialmente pela quantidade de jovens árbitras que não é suficiente para que isso possa acontecer. Mas acredito que, se o futebol feminino, com árbitras nos seus jogos, obviamente, continuar a evoluir como tem evoluído, será natural que a arbitragem feminina possa crescer e possa também ter mais protagonismo do que o que tem atualmente. Se atentarmos a acontecimentos recentes, o futebol feminino já tem chamado a si muita atenção, reivindicações pela igualdade e equiparação de salários, relativamente ao futebol masculino, são exemplos concretos disso.

 

AFCB: Há uns anos pouca gente imaginava que o VAR fosse uma realidade no presente, mas a verdade é que ele já está implementado. Como vê a arbitragem no futuro?

CX: A arbitragem será aquilo que as pessoas do futebol quiserem que ela seja. Porque é, como sempre foi, aquilo que quiseram que ela fosse.

Muito do discurso, especialmente dos dirigentes, que são normalmente aqueles que mais criticam a arbitragem, não corresponde àquilo que eles sabem que é a verdade, mas “têm” de dizer aquilo pela posição que ocupam, são “cortinas de fumo”.

 

AFCB: Na linha do perspetivar o futuro da arbitragem... vários árbitros, em prol da transparência, indicam que gostavam que as comunicações que eles estabelecem com os colegas da equipa de arbitragem, VAR inclusive, deviam ser públicas. Comunga da mesma opinião?

CX: Totalmente de acordo! E esse é o caminho. Mais dia menos dia, as comunicações com o VAR serão audíveis, em benefício da transparência. Não me importava, até gostava, que isso tivesse acontecido comigo. Tanto mais que essa medida seria também ela uma forma de comunicação com o público. As pessoas poderiam não aceitar, mas iriam perceber. Como adepto, podia ver um erro contra a minha equipa, mas se, eventualmente, percebesse porquê, talvez aceitasse melhor a decisão do árbitro.

 

AFCB: Para terminar, vamos fazer uma rasteira para cartão vermelho direto!....

...É uma pessoa (re)conhecida na Covilhã, alguma vez teve convites para enveredar pela carreira política?

CX: (Risos) Depois de deixar de ser árbitro, sim!

 

AFCB: Não vamos perguntar qual partido político!...

CX: (Risos)